terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

Jogos Vorazes Capitulo 2 e 3.

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Uma vez, quando eu estava em uma cobertura numa árvore, esperando imóvel por uma caça a vaguear, eu cochilei e caí 3 metros no chão, caindo sobre minhas costas. Foi como se o impacto tivesse bloqueado todo fragmento de ar dos meus pulmões, e eu fiquei deitada lá, lutando para inalar, exalar, fazer qualquer coisa.
Era como eu me sinto agora, tentando lembrar como respirar, incapaz de falar, totalmente estupefata enquanto o nome salta para dentro do meu crânio. Alguém está agarrando meu braço, um garoto de Seam, e acho que talvez eu comecei a cair e ele me pegou.
Deve ter sido algum engano. Isso não pode estar acontecendo. Prim era uma tira de papel entre milhares! Suas chances de ser escolhida eram tão remotas que eu nem mesmo me incomodei em ficar preocupada. Eu não tenho feito nada? Tomado o tesserae, recusando a deixar ela fazer o mesmo? Uma tira. Um tira entre milhares. As chances tinham estado inteiramente a favor dela. Mas isso não importou.
Em algum lugar bem longe, eu posso ouvir a multidão murmurando infelizmente como eles sempre fazem quando alguém de doze anos de idade é escolhido porque ninguém acha que é justo. E então eu a vejo, o sangue drenado de seu rosto, as mãos apertadas em punhos dos seus lados, andando com rígidos e pequenos passos em direção ao palco, passando por mim, e vejo que a costa da sua blusa está solta e balançando sobre a sua saia. É esse detalhe, a blusa solta formando um rabo de pato, que me traz de volta a mim mesma.
“Prim!” Um grito estrangulado sai da minha garganta, e meus músculos começam a se mover de novo. “Prim!” Eu não preciso empurrar pela multidão. As outras crianças fazem um caminho imediatamente me permitindo uma passagem direta para o palco. Eu a alcanço justo enquanto ela está para subir o piso. Com um arrastão do meu braço, eu a puxo para trás de mim.
“Eu me voluntario!” Arfo. “Eu me voluntario como tributo!”
Há alguma confusão no palco. Distrito 12 não tinha um voluntário em décadas e o protocolo tinha ficado enferrujado. A regra era que uma vez que o nome do tributo tinha sido puxado do globo, outro garoto elegível, se um nome de garoto tinha sido lido, ou garota, se o nome de uma garota tinha sido lido, pode andar para tomar o lugar dele ou dela. Em alguns distritos, nos quais ganhar a colheita é uma honra maravilhosa, pessoas estão ansiosas para arriscar suas vidas, o voluntariado é complicado. Mas no Distrito 12, onde a palavra tributo é como um sinônimo para a palavra cadáver, voluntários são quase extintos.
“Amável!” diz Effie Trinket. “Mas eu acredito que há um pequeno problema de introduzir o vencedor da colheita e então perguntar por voluntários, e se alguém vem adiante então nós, hum...” ela se perde, incerta.
“O que isso importa?” diz o prefeito. Ele está olhando para mim com uma expressão de dor no seu rosto. Ele não me conhece realmente, mas há um leve reconhecimento aí. Eu sou a garota que traz os morangos. A garota sobre a qual sua filha deve ter falando em uma ocasião. A garota que cinco anos atrás está de pé, aconchegada a sua mãe e irmã, enquanto ele a presenteava, a filha mais velha, com uma medalha de coragem. Uma medalha do pai dela, vaporizando nas minas. Ele lembra daquilo? “O que isso importa?” ele repete bruscamente. “Deixe-a vir.”
Prim está gritando histericamente atrás de mim. Ela está rodeando seus magros braços ao meu redor como um vício. “Não, Katniss! Não! Você não pode ir!”
“Prim, deixe,” eu digo roucamente, porque isso está me angustiando e eu não quero chorar. Quando eles transmitirem na televisão a gravação das colheitas hoje a noite, todos verão minhas lágrimas, e eu serei marcada como um alvo fácil. Uma fraca. Eu não darei satisfação a ninguém. “Deixe!”
Eu posso sentir alguém a puxando das minhas costas. Eu me viro e vejo Gale arrastando Prim e ela batendo nos braços dele. “Agora é com você, Catnip,” ele diz, em uma voz que está brincando para manter estável, e então ele carrega Prim para minha mãe. Eu me endureço como aço e subo os degraus.
“Bem, bravo!” emociona-se Effie Trinket. “Esse é o espírito dos Games!” Ela está satisfeita que finalmente tem um distrito com um pouco de ação acontecendo. “Qual é o seu nome?”
Eu engulo rigidamente. “Katniss Everdeen,” digo.
“Eu aposto meus botões que era sua irmã. Não queremos que ela roube toda glória, queremos? Vamos, todo mundo? Vamos dar uma salva de palmas para nosso novo tributo!” garganteia Effie Trinket.
Para o último crédito das pessoas do Distrito 12, ninguém bateu palmas. Nem mesmo aqueles segurando cupons de aposta, os que usualmente estão além de se importar. Possivelmente porque eles me conhecem do Hob, ou conheciam meu pai, ou tem encontrado Prim, a quem ninguém pode deixar de amar. Assim em vez de aplausos de reconhecimento, eu fiquei em pé ali sem me mover enquanto eles tomam parte na mais ousada forma de dissidência que ele podiam. Silêncio. Que diz que eles não concordam. Nós não perdoamos. Todo isso está errado.
Então algo inesperado acontece. No mínimo, eu não esperava porque não pensava no Distrito 12 como um lugar que se importa comigo. Mas uma mudança tem ocorrido desde que eu subi para tomar o lugar de Prim, e agora parece que eu tenho me tornado uma pessoa preciosa. O primeiro, depois outro, então quase todos os membros da multidão tocaram os três dedos do meio das suas mãos esquerdas para os seus lábios e seguram por mim. É um velho e raro gesto usado no nosso distrito, ocasionalmente visto em funerais. Significa obrigada, significa admiração, significa adeus para alguém que você ama.
Agora eu estou realmente em perigo de chorar, mas felizmente Haymitch escolhe essa hora para vir vacilante pelo palco para me congratular. “Olhe para ela. Olha para essa!” ele grita, atiram um braço ao redor dos meus ombros. Ele é surpreendente forte para tal arruinado. “Eu gosto dela!” Sua respiração fede a licor e faz um bom tempo desde quando ele tomou banho. “Muita...” Ele não pode pensar em uma palavra por enquanto. “Bravura!” Ele diz triunfante. “Mais que vocês!” Ele me solta e começa ir para a frente do palco. “Mais que vocês!” ele grita, apontando para a câmera.
Ele está se dirigindo a audiência ou ele está tão bêbado que ele podia na verdade estar ridicularizando o Capitol? Eu nunca saberia porque justo quando ele estava abrindo a boca para continuar, Haymitch cai fora do palco e fica inconsciente.
Ele é nojento, mas estou grata. Com toda câmera alegremente treinando nele, eu tenho só tempo o bastante para liberar um som pequeno e chocado da minha garganta e me compor. Ponho minhas mãos atrás das minhas costas e olho para o distante.
Eu posso ver as montanhas que eu subi essa manhã com Gale. Por um momento, eu sinto saudade de algo... a idéia de nós partindo do distrito... fazendo nosso caminho na floresta... mas eu sei que eu estava certa em não fugir. Por que quem mais se voluntariaria por Prim? Haymitch é arrastado em uma maca, e Effie Trinket está tentando rodar o globo novamente. “Que dia excitante!” ela gorjeia enquanto tenta ajeitar sua peruca, que tinha deslizado um pouco para a direita. “Mas mais excitação está por vir! É a hora de escolher nosso tributo garoto!” Claramente esperando conter a situação do seu tênue cabelo, ela coloca uma mão na sua cabeça enquanto atravessa o globo que contém os nomes dos garotos e agarra o primeira tira que encontra. Ela move-se rápido de volta ao pódio, e eu nem tenho tempo para desejar a segurança de Gale quando ela está lendo o nome. “Peeta Mellark.”
Peeta Mellark!
Oh, não, eu penso. Não ele. Porque eu reconheço esse nome, embora eu nunca tenha falado diretamente com o dono. Peeta Mellark.
Não, as chances não estavam ao meu favor hoje. Eu o assisti enquanto ele fazia seu caminho em direção ao pódio. Altura média, sólida estrutura, cabelos loiros cinza que caem em ondas sobre sua testa. O choque do momento está registrado no seu rosto, você pode ver que ele luta para se manter sem emoções, mas seus olhos azuis mostram o alarme que eu vejo tão freqüentemente nas caças. Ainda ele sobe firmemente o pódio e toma seu lugar.
Effie Trinket pergunta por voluntários, mas ninguém dá um passo a frente. Ele tem dois irmãos mais velhos, eu sei, tenho-os visto na padaria, mas um é provavelmente velho demais agora para se voluntariar e o outro não vai. Esse é o padrão. Devoção familiar só vai até aqui para a maioria das pessoas no dia da colheita. O que eu fiz foi uma coisa radical.
O prefeito começa a ler o longo e estúpido Tratado de Traição como ele faz todo ano nesse ponto – é necessário – mas não estou escutando uma palavra.
Por que ele? Eu penso. Então tento me convencer de que isso não importa. Peeta Mellark e eu não somos amigos. Nem mesmo visinhos. Nós não nos falamos. Nossa única real interação aconteceu anos atrás. Ele provavelmente esqueceu. Mas eu não e sei que nunca vou...
Foi durante o tempo pior. Meu pai tinha sido morto num acidente na mina três meses mais cedo no janeiro mais amargo que qualquer um podia lembra. A paralisia da perda dele tinha passado, e a dor me atingiria do nada, dobrando-me mais, quebrando meu corpo em soluços. Onde você está? Eu gritava na minha mente. Onde você foi? Claro, nunca havia alguma resposta.
O distrito nos deu uma pequena quantia em dinheiro para compensar a sua morte, o bastante para cobrir um mês de luto que era o tempo que minha mãe esperaria para conseguir um trabalho. Só que ela não conseguiu. Ela não fez nada além de sentar em uma cadeira ou, mais freqüentemente, aconchegada sob os cobertores na sua cama, olhos fixos em algum ponto distante. De vez em quando, ela se agitaria, levantava como se movida por um propósito urgente, só para então cair dentro da paralisia. Nenhuma quantidade de pedidos de Prim pareceu afetá-la.
Eu estava aterrorizada. Eu suponho agora que minha mãe estava trancada em algum escuro mundo de tristeza, mas naquela hora, tudo o que eu sabia era que eu tinha perdido não só meu pai, mas minha mãe também. Aos onze anos de idade, Prim com apenas sete, eu assumi a chefia da família. Não havia escolha. Eu trouxe nossa comida do mercado e cozinhei o melhor que pude e tentei manter Prim e eu parecendo apresentável. Porque ficou claro que minha mãe não podia se importa mais conosco, o distrito teria nos levado dela e nos colocado numa casa comunitária. Cresci vendo essas crianças na escola. A tristeza, as marcas mãos raivosas em seus rostos, a desesperança que curvava seus ombros. Eu nunca poderia deixar isso acontecer a Prim. Docy, pequena Prim que chorou quando eu chorei antes mesmo de saber a razão, que escovou e trançou o cabelo da minha mãe antes de irmos para a escola. Que ainda polindo o espelho de barbear do pai cada noite porque ele odiava a camada de pó de carvão que se instalava em todo em Seam. A casa comunitária iria exterminá-la como um besouro. Então mantive nossa situação difícil em segredo.
Mas o dinheiro se foi e nós ficamos lentamente morrendo de fome. Não há outra forma de dizer isso. Eu continuei dizendo a mim mesma se pudesse segurar até maio, só 8 de maio, eu completaria doze anos e seria capaz de me registrar pelo tesserae e conseguir os preciosos grãos e óleo para nos alimentar. Só faltava ainda algumas semanas. Nós poderíamos estar bem mortas até lá.
Morrer de fome não é um destino incomum no Distrito 12. Quem não tinha visto as vítimas? Pessoas velhas não podiam trabalhar. Crianças de uma família com muito para alimentar. Aqueles machucados nas minas. Estendendo-se pelas ruas. E um dia, você os vê sentados imóveis contra a parede ou deitados no Meadow, você escuta o lamento de uma casa, e os Pacifistas são chamados para retomar o corpo. Morrer de fome nunca é a oficial causa da morte. É sempre gripe, ou exposição, ou pneumonia. Mas isso não engana ninguém.
Na tarde do meu encontro com Peeta Mellark, a chuva estava caindo em implacáveis folhas de gelo. Eu tinha estado na cidade, tentando negociar algumas roupas de bebê velhas e gastas de Prim no mercado público, mas não havia conquistadores. Embora eu tenha estado no Hob em algumas ocasiões com meu pai, estava muito assustada para me aventurar dentro daquele lugar bruto e de areia sozinha. A chuva tinha molhado toda a jaqueta de caça do meu pai, deixando-me resfriada até os ossos. Por três dias, nós não tínhamos nada além de água fervida com algumas folhas de hortelã velhas que eu tinha achado nos fundos do armário. Até o momento que o mercado fechou, eu estava tremendo tão forte que eu deixei minha trouxa de roupa de bebê em uma poça de lama. Não o peguei de volta por medo de me ajoelhar e não conseguir recuperar meus pés. Além disso, ninguém queria aquelas roupas.
Eu não podia ir para casa. Porque em casa estava minha mãe com seus olhos mortos e minha irmãzinha, com suas bochechas encovadas e lábios rachados. Não podia andar dentro daquele quarto com o fogo fumarento dos galhos úmidos que eu limpei no limite da floresta depois que o carvão tinha acabado, minhas bandas vazias de qualquer esperança.
Eu me encontrei tropeçando ao longo de uma pista enlameada atrás das lojas que servem as pessoas mais ricas da cidade. Os comerciantes vivem acima de seus negócios, assim eu estava essencialmente em seus quintais. Lembro que os contornos do jardim não estavam plantados para primavera ainda, uma cabra ou duas no cercado, um cão encharcado amarrado em um poste, curvado derrotado na lama. Todas as formas de roubar eram proibidas no Distrito 12. Punição por morte. Mas atravessou minha mente que deveria ter algo nas lixeiras, e essas eram caças justas. Talvez um osso de açougueiro ou legumes podres da mercearia, algo que ninguém além da minha família estava desesperada o bastante para comer. Infelizmente as lixeiras estavam vazias.
Quando passei do padeiro, o cheiro de pão fresco era tão esmagador que fiquei tonta. O forno era nos fundos, e fulgor dourado derramou-se de porta aberta da cozinha. Eu fiquei hipnotizada pelo calor e o cheiro agradável até a chuva interferir, correndo como dedos gelados nas minhas costas, forçando-me a voltar à vida. Eu levantei a tampa da lixeira do padeiro e a achei impecável e cruelmente vazia.
De repente uma voz estava gritando para mim e eu olhei para cima para ver a mulher do padeiro, dizendo para eu ir embora e se eu queria que ela ligasse para os Pacifistas e o quão doente ela estava por ter esses pirralhos de Seam tocando o lixo dela. As palavras eram feias e não tive nenhuma defesa. Enquanto cuidadosamente recoloquei a tampa e me voltei para ir embora, eu o notei, um garoto com cabelo loiro espiando atrás de sua mãe. Eu o tinha visto na escola. Ele era do meu ano, mas eu não sabia o seu nome. Ele está com as crianças da cidade, então como eu saberia? Sua mãe voltou para a padaria, resmungando, mas ele deve ter ficando me olhando enquanto eu fazia meu caminho atrás da cerca que segurava o porco deles e me inclinei no lado mais distante de um pé de maçã. A realização de que eu não teria nada para levar para casa tinha finalmente afundado. Meus joelhos entortaram e eu deslizei para as raízes da árvore. Era demais. Eu estava doente e fraca e cansada, oh, tão cansada. Deixe-os chamar os Pacificadores e nos tomar para a casa comunitária, eu pensei. Ou melhor ainda, deixe-me morrer aqui mesmo na chuva.
Houve um barulho na padaria e escutei uma mulher gritando de novo e o som de uma bofetada, e eu vagamente me perguntei o que estava acontecendo. Pés surgiram na minha direção e eu pensei, É ela. Ela está vindo me mandar embora com uma vara. Mas não era ela. Era o garoto. Nos seus braços, ele carregava dois largos pedaços de pão que devem ter caído no fogo por causa das crostas que estavam queimadas.
Sua mãe estava gritando, “Alimente o porco, sua criatura estúpida! Por que não? Ninguém decente compraria pão queimado!”
Ele começou a arrancar os pedados das peças queimadas e atirá-las no canal, e o sino da frente da padaria tocou e a mãe desapareceu para ajudar o cliente.
O garoto nunca lançou um olhar para o meu lado, mas eu estava assistindo-o. Por causa do pão, por causa do machucado vermelho que estava na sua bochecha. Com o que ela tinha batido nele?
Meus pais nunca nos bateram. Eu não podia nem imaginar. O garoto olhou para trás, para a padaria, como se checasse se o campo estava limpo, então, sua atenção voltou-se para o porco, ele atirou um pedaço de pão na minha direção. O segundo rapidamente se seguiu, e ele voltou para a padaria, fechando a porta da cozinha firmemente.
Eu olhei para os pedaços descrente. Eles estavam ótimos, realmente perfeitos, exceto pelas partes queimadas. Ele quis dizer que eu podia tê-los? Ele devia. Porque eles estavam aos meus pés. Antes que alguém pudesse testemunhar o que tivesse acontecido, eu puxei os pedaços de pão para debaixo da minha camisa, agasalhei a jaqueta de caça firmemente ao meu redor, e andei rapidamente. O calor do pão queimava a minha pele, mas eu apertei com força, apegando à vida.
Na hora que eu cheguei em casa, os pedaços tinham esfriado de alguma forma, mas dentro ainda estava quente. Quando eu os coloquei na mesa, as mãos de Prim levantaram para pegar um pedaço, mas eu a forcei a sentar, forcei minha mãe a se juntar a mesa, e derramei chá quente. Raspei a parte preta e fatiei o pão. Nós comemos um pedaço todo, fatia por fatia. Era um bom pão puro, cheio com passas e nozes.
Coloquei minhas roupas para secas no fogo, arrastei-me para dentro da cama, e cai num sono sem sonhos. Não me ocorreu até a manhã seguinte que o garoto devia ter queimado o pão de propósito. Devia ter deixado cair os pedaços nas chamas, sabendo que seria punido, e então os entregou a mim. Mas eu descartei isso. Deve ter sido um acidente. Por que ele teria feito isso? Ele nem mesmo me conhecia. Ainda, apenas me atirando o pão era uma enorme gentileza que teria resultado em surra se descoberta. Eu não podia explicar suas ações.
Nós comemos as fatias de pão no café da manhã e seguimos para a escola. Era como se a primavera tivesse vindo durante a noite. Ar doce e quente. Nuvens macias. Na escola, eu passei pelo garoto no corredor, sua bochecha tinha inchado e seu olho estava escurecido. Ele estava com seus amigos e não me reconheceu de forma nenhuma. Mas quando eu recolhi Prim e comecei a ir para casa naquela tarde, eu o encontrei olhando para mim através do campo da escola. Nossos olhos se encontraram apenas por um segundo, então ele virou a sua cara para longe. Eu baixei meu olhar, embaraçada, e foi quando eu vi. A primeira planta do ano. Um sino tocou na minha cabeça. Eu pensei nas horas passadas na floresta com meu pai e eu sabia como nós iríamos sobreviver.
Para esse dia, eu nunca posso abalar a ligação com esse garoto, Peeta Mellark, e o pão que me deu esperança e a planta que me lembrou que eu não era condenada. E mais de uma vez, eu estava no corredor da escola e peguei seus olhos me seguindo, só para rapidamente se mover para longe. Eu sinto como se devesse a ele algo, e eu odeio dever as pessoas. Talvez se eu tivesse o agradecido em algum ponto, eu estaria me sentindo menos cheia de conflito agora. Eu pensei sobre isso um par de vezes, mas a oportunidade nunca pareceu presente. E agora nunca vai parecer. Porque nós vamos ser atirados em uma arena para brigar até a morte. Exatamente como eu deveria trabalhar em um agradecimento lá? De qualquer forma não pareceria sincero se eu tentasse cortar sua garganta.
O prefeito termina o sombrio Tratado de Traição e gesticula para Peeta e eu apertar as mãos. A mão dele era tão sólida e quente quando aqueles pedaços de pão. Peeta olha para mim direto no olho e dá a minha mão o que eu penso que significa ser um aperto tranqüilizador. Talvez fosse apenas um espasmo nervoso.
Nós nos voltamos para encarar a multidão enquanto o hino de Panem toca.
Oh, bem, eu penso. Haverá vinte e quatro de nós. Chances são de mais alguém matá-lo antes de eu fazê-lo. É claro, as chances não estão muito confiáveis ultimamente. 
 
 
 
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No momento em que o hino acaba, somos levados em custódia. Eu não quero dizer que somos algemados ou algo, mas um grupo de Pacifistas nos marcha até as portas dianteiras do Prédio da Justiça. Talvez tributos tenham tentado escapar no passado. Eu nunca vi isso acontecer, contudo.
Uma vez dentro, sou conduzida para uma sala e deixada sozinha. É o lugar mais rico em que eu já estive, com tapetes grossos e espessos e um sofá de veludo e cadeiras. Eu conheço veludo porque minha mãe tem um vestido com um colarinho feito desse negócio. Quando eu sento no sofá, eu não posso evitar correr meus dedos sobre o tecido repetidamente. Ele me ajuda a me acalmar enquanto eu tento me preparar para a próxima hora. O tempo destinado para os tributos dizerem adeus aos seus amados. Eu não posso me dar ao luxo de ficar chateada, de deixar essa sala com olhos inchados e um nariz vermelho. Chorar não é uma opção. Haverá mais câmeras na estação de trem.
Minha irmã e minha mãe vêm primeiro. Eu me estico para Prim e ela sobe no meu colo, seus braços ao redor do meu pescoço, a cabeça no meu ombro, bem como ela fazia quando era um bebê. Minha mãe se senta ao meu lado e envolve seus braços ao nosso redor. Por alguns minutos, não dizemos nada. Então eu começo a contar a elas todas as coisas que elas devem lembrar fazer, agora que eu não estarei lá para fazer isso por elas.
Prim não deve pegar nenhum tesserae. Elas conseguirão sobreviver, se forem cuidadosas, vendendo o leite e queijo de cabra da Prim e com o pequeno apotecário que a minha mãe agora comanda para as pessoas em Seam. Gale lhes dará as ervas que ela mesma vão plantar, mas ela deve tomar muito cuidado ao descrevê-las, porque ele não está tão familiarizado com elas quanto eu. Ele também lhes trará caça – e eu fizemos um pacto sobre isso há mais ou menos um ano – e provavelmente não pedirá por compensação, mas elas deveriam agradecê-lo com algum tipo de troca, como leite ou remédio.
Eu não incomodo em sugerir à Prim que aprenda a caçar. Eu tentei ensiná-la algumas vezes e foi desastroso. A floresta a aterrorizava, e quando eu atirava em alguma coisa, ela ficava a beira de lágrimas e falava em como poderíamos curá-lo se o levássemos para casa cedo o bastante. Mas ela se dá bem com sua cabra, então eu me concentro nisso.
Quando eu acabo com as instruções sobre combustível, e trocas, e ficar na escola, eu me viro para minha mãe e agarro seu braço, duramente. “Me escute. Você está me escutando?” Ela assente, assustada pela minha intensidade. Ela deve saber o que está por vir. “Você não pode ir embora novamente,” eu digo. Os olhos da minha mãe encontram o chão. “Eu sei. Eu não irei. Eu não pude evitar o quê –”
“Bem, você tem que evitar dessa vez. Você não pode pular fora e deixar Prim por conta própria. Não há mais eu para manter vocês duas vivas. Não importa o que aconteça. O que quer que veja na tela. Você tem que me prometer que vai lutar contra isso!” Minha voz se levantou para um grito. Nela está toda a raiva, todo o medo que eu senti com seu abandono.
Ela puxa seu braço do meu aperto, ela própria movida por raiva agora. “Eu estava doente. Eu podia ter me tratado se eu tivesse os remédios que eu tenho agora.”
Aquela parte sobre ela estar doente podia ser verdade. Eu tinha visto ela curar pessoas que sofriam de tristeza imobilizante desde então. Talvez seja uma doença, mas é uma que não podemos nos dar ao luxo.
“Então tome-os. E tome conta dela!” Eu digo.
“Eu ficarei bem, Katniss,” diz Prim, apertando meu rosto em suas mãos. “Mas você tem que tomar cuidado também. Você é tão rápida e corajosa. Talvez possa vencer.”
Eu não posso vencer. Prim deve saber isso, em seu coração. A competição estará muito além das minhas habilidades. Garotos de distritos mais ricos, onde ganhar é uma grande honra, que treinaram suas vidas todas para isso. Garotos que são duas a três vezes o meu tamanho. Garotas que conhecem vinte maneiras diferentes de te matar com uma faca. Ah, haverá pessoas como eu também. Pessoas a serem extirpadas antes que a verdadeira diversão comece. “Talvez,” eu digo, porque eu não posso dizer a minha mãe para continuar se eu
mesma já desisti. Além do mais, não é da minha natureza desistir sem lutar, mesmo quando as coisas parecem insuperáveis. “Então seremos ricas como Haymitch.”
“Eu não ligo realmente se somos ricos. Eu só quero que você volte para casa. Você tentará, não tentará? Realmente, realmente tentará?” pergunta Prim.
“Realmente, realmente tentarei. Eu juro,” eu digo. E eu sei, por causa de Prim, que terei que.
E então o Pacificador está na porta, sinalizando que nosso tempo acabou, e estamos todas nos abraçando tão forte que dói e tudo o que eu digo é “eu amo vocês. Eu amo vocês duas.” E elas dizem isso de volta e então o Pacificador ordena que elas saiam e a porta fecha. Eu enterro minha cabeça em uma das almofadas de veludo como se isso pudesse bloquear todo esse negócio.
Outra pessoa entra na sala, e quando eu olho para cima, fico surpresa em ver que é o padeiro, o pai de Peeta Mellark. Eu não acredito que ele veio me visitar. Afinal de contas, eu tentarei matar seu filho em breve. Mas nós nos conhecemos um pouco, e ele conhece Prim ainda melhor. Quando ela vende seu queijo de cabra no Hob, ela deixa dois separados para ele e ele lhe dá uma generosa quantidade de pão em troca. Nós sempre esperamos para trocar com ele quando a bruxa da mulher dele não está por perto, porque ele fica bem mais bonzinho. Eu tenho certeza de que ele nunca bateria no filho dele do jeito que ela bateu por causa do pão queimado. Mas por que ele veio me ver? O padeiro se senta desconfortavelmente na ponta de uma das cadeiras felpudas. Ele é um homem grande de ombros largos com cicatrizes de queimaduras por causa dos anos passados nos fornos. Ele deve ter acabado de dizer adeus ao seu filho.
Ele puxa um pacote de papel branco do bolso de sua jaqueta e o segura para mim. Eu o abri e achei biscoitos. Eles são um luxo que nunca podemos bancar.
“Obrigada,” eu digo. O padeiro não é um homem muito falante, na melhor das ocasiões, e hoje ele não solta nenhuma palavra. “Eu comi um pouco do seu pão essa manhã. Meu amigo Gale lhe deu um esquilo por ele.” Ele assente, como se lembrando do esquilo. “Não foi a sua melhor troca,” eu digo. Ele dá de ombros, como se isso não tivesse importância.
Então eu não consigo pensar em mais nada, então ficamos sentados em silêncio até que o Pacificador o convoque. Ele se levanta e tosse para limpar sua garganta. “Eu ficarei de olho na menininha. Para me certificar que ela está comendo.”
Eu sinto um pouco da pressão no meu peito se aliviar com as palavras dele. As pessoas lidam comigo, mas eles genuinamente adoram a Prim. Talvez haja adoração o bastante para mantê-la viva.
Meu próximo convidado também é inesperado. Madge anda diretamente até mim. Ela não está chorosa ou evasiva, ao invés, há uma urgência no seu tom que me surpreende. “Eles te deixam usar uma coisa do seu distrito na arena. Uma coisa para lembrá-la de casa. Você usaria isso?” Ela segura um alfinete circular de ouro que estava em seu vestido mais cedo. Eu não tinha prestado muita atenção nele antes, mas agora eu vejo que é um pássaro pequeno voando.
“Seu alfinete?” Eu digo. Usar uma lembrança do meu distrito é a última coisa na minha mente.
“Aqui, vou colocá-lo no seu vestido, está bem?” Madge não espera por uma respostas, ela simplesmente se inclina e fixa o pássaro no meu vestido. “Promete que o usará na arena, Katniss?” ela pergunta. “Promete?”
“Sim,” eu digo. Biscoitos. Um alfinete. Estou recebendo toda a sorte de presentes hoje. Madge me dá mais um. Um beijo na bochecha. Então ela se vai e eu fico pensando que talvez Madge realmente tenha sido minha amiga todo esse tempo.
Finalmente, Gale está aqui e talvez não haja nada de romântico entre nós, mas quando ele abre seus braços, eu não hesito em ir neles. Seu corpo é familiar para mim – o jeito como ele se move, o cheiro de fumaça de madeira, até mesmo o som de seu coração batendo, que eu conheço de momentos silenciosos caçando – mas essa é a primeira vez que eu realmente sinto-o, os músculos magros e fortes contra os meu. “Escuta,” ele diz. “Pegar uma faca deve ser bem fácil, mas você tem que colocar suas mãos num arco e flecha. É a sua melhor chance.”
“Eles nem sempre tem arcos e flechas,” eu digo, pensando no ano onde só havia horríveis cetros cheios de esporões com que os tributos tinham que acertar uns aos outros até a morte. “Então faça um,” diz Gale. “Mesmo um arco e flecha fraco é melhor que nenhum arco e flecha.”
Eu tentara copiar os arcos e flechas do meu pai com resultados fracos. Não é tão fácil. Até ele tinha que jogar fora seu próprio trabalho de vez em quando.
“Eu nem sei se haverá madeira,” eu digo. Em outro ano, eles jogaram todos em um cenário com nada além de pedras e areia e arbustos imundos. Eu particularmente odiei aquele ano. Muitos competidores foram mordidos por cobras venenosas ou ficaram insanos por causa da sede.
“Há quase sempre um pouco de madeira,” Gale diz. “Já que naquele ano metade deles morreram de frio. Não há muito entretenimento nisso.”
É verdade. Nós passamos um Hunger Games assistindo os jogadores congelarem até a morte de noite. Você mal podia vê-los porque eles estavam contraídos em bolas e não tinham madeira para fogueiras ou tochas ou qualquer coisa. Foi considerado muito anti-climático no Capitol, todas aquelas mortes silenciosas e sem derramamento de sangue. Desde então, geralmente há madeira pra fazer fogueiras.
“Sim, geralmente tem um pouco,” eu digo.
“Katniss, é apenas caçada. Você é a melhor caçadora que eu conheço,” diz Gale.
“Não é só caçada. Eles estão armados. Eles pensam,” eu digo.
“Assim como você. E você praticou mais. Prática real,” ele diz. “Você sabe como matar.”
“Não pessoas,” eu digo.
“O quão diferente pode ser, sério?” diz Gale carrancudamente.
O horrível é que se eu conseguir esquecer que eles são pessoas, não será nem um pouco diferente.
Os Pacifistas voltam cedo demais e Gale pede por mais tempo, mas eles o estão levando e eu começo a entrar em pânico. “Não as deixe morrer de fome!” Eu gritei, unindo-me a sua mão.
“Eu não deixarei! Você sabe que eu não deixarei! Katniss, lembre-se que eu –” ele diz, e eles nos tiram de perto e batem a porta e eu nunca saberei o que é que ele queria que eu me lembrasse.
É um caminho curto do Prédio da Justiça até a estação de trem. Eu nunca estive num carro antes. Raramente andei em vagões. Em Seam, nós viajamos a pé.
Eu estive certa em não chorar. A estação está pululando de repórteres com suas câmeras feito insetos instruídos diretamente no meu rosto. Mas eu pratiquei muito apagar meu rosto de emoções e eu faço isso agora. Eu capturo um relampejo de mim mesma na tela de televisão na parede que está transmitindo a minha chegada ao vivo e me sinto grata por parecer quase entediada. Peeta Mellark, por outro lado, obviamente esteve chorando e, mais interessante, não parece tentar cobrir isso. Eu imediatamente me pergunto se essa será sua estratégia no Games. Aparecer fraco e assustado, reassegurar aos outros tributos que ele não é competição algum, e então sair lutando. Isso funcionou muito bem para uma garota, Johanna Mason, do Distrito 7, há alguns anos. Ela parecia uma tola tão choramingona e covarde que ninguém se incomodou com ela até que sobrou apenas um punhado de participantes. Acontece que ela podia matar viciosamente. Bem esperto, o jeito como ela jogou. Mas essa parece uma estratégia estranha para Peeta Mellark, porque ele é filho do padeiro. Todos esses anos tendo o bastante para comer e transportando bandejas de pão por aí o fizeram ter ombros largos e fortes. Será preciso muita choradeira para convencer qualquer um a negligenciá-lo.
Nós temos que ficar de pé por alguns minutos na entrada do trem enquanto as câmeras engolem as nossas imagens, então nos permitem entrar e as portas fecham compassivamente atrás de nós. O trem começa a se mover de imediato.
A velocidade inicialmente tira meu fôlego. É claro, eu nunca estive em um trem, já que viagens entre distritos são proibidas, exceto para deveres oficialmente sancionados. Para nós, isso quase sempre é transportar carvão. Mas esse não é um trem normal de carvão. É um dos modelos de alta velocidade do Capitol que chega a uma média de 402 quilômetros por hora. Nossa jornada para Capitol levará menos que um dia.
Na escola, eles nos dizem que Capitol foi construído num lugar que uma vez chamara-se Montanhas Rochosas. O Distrito 12 estava numa região conhecida como Appalachia. Mesmo há centenas de anos, eles exploravam carvão aqui. E é por isso que nossos mineradores tem que escavar tão fundo.
De alguma maneira, tudo se volta ao carvão na escola. Além de leitura e matemática básica, a maioria das nossas instruções são relacionadas a carvão. Exceto pelas aulas semanais de história de Panem. Na maior parte é um monte de tolices sobre o que devemos a Capitol. Eu sei que deve ter mais do que eles nos dizem, uma explicação real sobre o que aconteceu durante a rebelião. Mas eu não passo muito tempo pensando nisso. Qualquer que seja a verdade, eu não vejo como ela pode me ajudar a colocar comida na mesa.
O trem do tributo é ainda mais chique do que a sala no Prédio da Justiça. É dado a cada um de nós nossas próprias câmaras, que tem um quarto, um camarim, e um banheiro privado com água quente e fria corrente. Nós não temos água quente em casa, a não ser que a fervamos. 
Há gavetas cheias de roupas finas, e Effie Trinket me diz para fazer o que eu quiser, usar o que eu quiser, tudo está a minha disposição. É só estar pronta para o jantar em uma hora. Eu me retiro do vestido azul da minha mãe e tomo um banho quente. Eu nunca tomei banho de chuveiro antes. É como estar em uma chuva de verão, só que mais quente. Eu me visto com uma camisa e calça verde escura.
No último minuto, eu me lembro do pequeno alfinete dourado da Madge. Pela primeira vez, eu dou uma boa olhada nele. É como se alguém tivesse criado um pequeno pássaro dourado e então anexado um anel ao redor. O pássaro está conectado ao anel só pelas pontas da asa. Eu de repente o reconheci. Um mockinjay. Eles são pássaros estranhos e meio que um tapa na cara de Capitol. Durante a rebelião, o Capitol reproduziu uma série de animais geneticamente alterados como armas. O termo comum para eles era muttações, ou às vezes mutts, como apelido. Um era um pássaro especial chamado jabberjay que tinha a habilidade de memorizar e repetir conversas humanas inteiras. Eles eram pássaros residentes, exclusivamente masculinos, que eram soltos em regiões onde era sabido que os inimigos de Capitol estavam escondidos. Após os pássaros coletarem palavras, eles voavam de volta aos centros para ser gravados. Levou um tempo para as pessoas perceberem o que estava acontecendo nos distritos, como conversas privadas estavam sendo transmitidas. Então, é claro, os rebeldes alimentaram Capitol com inúmeras mentiras, e a piada começou. Então os centros foram fechados e os pássaros abandonados para morrer na selva.
Só que eles não morreram. Ao invés, os jabberjays se acasalaram com mockinbirds fêmeas, criando uma nova espécie que conseguia replicar tanto os assobios dos pássaros quando as melodias humanas. Eles perderam a habilidade de enunciar palavras, mas ainda conseguiam mimicar uma cadeia de sons vocais humanos, de um gorjeio agudo de uma criança até os tons profundos de um homem. E eles conseguiam recriar canções. Não só poucas notas, mas canções inteiras com múltiplos versos, se você tivesse paciência para cantar para eles e se eles gostassem da sua voz.
Meu pai era particularmente afeiçoado aos mockinjays. Quando saíamos para caçar, ele assobiava ou cantava canções complicadas para eles e, após uma pausa educada, eles sempre cantavam de volta. Nem todos são tratados com tanto respeito. Mas sempre que meu pai cantava, todos os pássaros na área caiam no silêncio e escutavam. Sua voz era tão bonita, alta e clara e tão cheia de vida que fazia você querer rir e chorar ao mesmo tempo. Eu nunca consegui me forçar a continuar a praticar depois que ele partiu. Ainda assim, há algo de confortante no passarinho. É como ter um pedaço do meu pai comigo, me protegendo. Eu prendo o alfinete na minha camisa, e com o tecido verde escuro de fundo, eu quase consigo imaginar o mockinjay voando pelas árvores.
Effie Trinket vem me buscar para o jantar. Eu a sigo por um corredor estreito e chacoalhante até a sala de jantar com refinadas paredes almofadadas. Há uma mesa onde todos os pratos
são altamente quebráveis. Peeta Mellark está sentado esperando por nós, a cadeira próxima a ele vazia.
“Onde está Haymitch?” pergunta Effie Trinket alegremente.
“Da útlima vez que eu o vi, ele disse que ia tirar uma soneca,” diz Peeta.
“Bem, foi um dia exaustivo,” diz Effie Trinket. Eu acho que ela está aliviada pela ausência de Haymitch, e quem pode culpá-la?
O jantar vem em porções. Uma espessa sopa de cenoura, salada verde, costeletas de carneiro e purê de batata, queijo e fruta, um bolo de chocolate. Durante a refeição, Effie Trinket fica nos lembrando para guardar lugar, porque há mais por vir. Mas eu estou me empanturrando porque nunca tive comida como essa antes, tão boa e tão farta, e porque provavelmente a melhor coisa que eu posso fazer entre agora e os Games é engordar alguns quilos. “Pelo menos vocês dois tem boas maneiras,” diz Effie enquanto terminamos o prato principal. “O par do ano passado comeu tudo com as mãos como dois selvagens. Perturbou completamente minha digestão.”
O par do ano passado foram duas crianças de Seam que nunca, nem por um dia em suas vidas, tiveram o bastante para comer. E quando eles tinham comida, maneiras a mesa eram certamente a última coisa em suas mentes. Peeta é filho do padeiro. Minha mãe ensinou Prim e eu a comer propriamente, então sim, eu sei lidar com um garfo e uma faca. Mas eu odeio tanto o comentário de Effie Trinket que eu tomo nota de comer o resto da minha refeição com meus dedos. Então eu limpo minhas mãos na toalha de mesa. Isso a fez franzir seus lábios apertadamente juntos.
Agora que a refeição acabou, eu estou lutando para manter a comida no lugar. Eu posso ver que Peeta está um pouquinho verde também. Nenhum dos nossos estômagos está acostumado a um cardápio tão rico. Mas se eu consigo segurar o preparado de carne de rato, entranhas de porco, e casca de árvore da Greasy Sae – uma especialidade do inverno – eu estou determinada a segurar isso.
Nós vamos a outro compartimento para assistir o recapitulamento das colheitas por Panem. Eles tentam balancearem-nas durante o dia para que uma pessoa possa concebivelmente assistir o negócio todo ao vivo, mas só pessoas em Capitol podem realmente fazer isso, já que nenhuma delas tem que atender colheitas pessoalmente.
Uma por uma, vemos as outras colheitas, os nomes chamados, os voluntários se apresentando ou, mais frequentemente, não. Nós examinamos os rostos das crianças que serão nossa competição. Algumas se destacam na minha mente. Um garoto monstruoso que se lança a frente para se voluntariar pelo Distrito 2. Uma garota de rosto astuto com cabelo vermelho liso do Distrito 5. Um garoto com um pé inválido do Distrito 10. E, mais assustador, uma garota de doze anos do Distrito 11. Ela tem pele e olhos marrom escuros, mas fora isso, ela é bem parecida com Prim no tamanho e no comportamento. Só que quando ela sobe no palco e eles pedem por voluntários, tudo o que você consegue ouvir é o vento assoprando pelos prédios decrépitos ao redor dela. Ninguém deseja tomar seu lugar.
Por último, eles mostram o Distrito 12. Prim sendo chamada, eu correndo a frente para me voluntariar. Você não consegue deixar passar o desespero em minha voz enquanto eu empurro Prim para trás de mim, como se eu tivesse medo de que ninguém iria ouvir e eles tomassem Prim. Mas, é claro, eles ouvem. Eu vejo Gale puxando-a de mim e observo a mim mesma subir no palco. Os comentaristas não tem certeza do que dizer sobre a recusa da multidão em aplaudir. A saudação silenciosa. Um diz que o Distrito 12 sempre foi um tanto atrasado, mas que costumes locais podem ser charmosos. Bem no momento correto, Haymitch cai do palco, e eles berram comicamente. O nome de Peeta é sorteado, e ele silenciosamente toma seu lugar. Nós apertamos as mãos. Eles cortam para o hino novamente, e o programa acaba.
Effie Trinket está decepcionada sobre o estado que sua peruca se encontrava. “Seu mentor tem muito o que aprender sobre apresentação. Muito sobre comportamento televisivo.”
Peeta ri inesperadamente. “Ele estava bêbado,” diz Peeta. “Ele fica bêbado todo ano.”
“Todo dia,” eu acrescento. Eu não posso evitar forçar um pouco o riso. Effie Trinket faz soar como se Haymitch tivesse simplesmente algumas maneiras brutas que pudessem ser corrigidas com algumas dicas dela.
“Sim,” sibila Effie Trinket. “Que estranho vocês dois acharem isso engraçado. Vocês sabem que seu mentor é sua corda de salvação ao mundo nesses Games. Aquele que o aconselha, encarreira seus patrocinadores, e dita a apresentação de qualquer presente. Haymitch pode muito bem ser a diferença entre a sua vida e a sua morte!”
Bem então, Haymitch tropeça para dentro do compartimento. “Eu perdi o jantar?” ele diz numa voz indistinta. Então ele vomita sobre todo o tapete caro e cai na bagunça.
“Então riam a vontade!” diz Effie Trinket. Ela salta ao redor da piscina de vômito em seus sapatos de bico fino e foge da sala. 

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