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Eu entro em um pesadelo, do qual eu acordo repetitivamente só para encontrar um
terror maior me aguardando. Todas as coisas que eu mais temo, todas as coisas
que eu temo pelos outros se manifestam em detalhes tão vívidos que eu não posso
evitar acreditar que sejam reais. Cada vez que eu acordo, eu penso, Por fim,
isso acabou, mas não acabou. É só o começo de um novo capítulo de tortura. De
quantas maneiras que observo Prim morrer? Revivo os últimos instantes do meu
pai? Sinto o meu próprio corpo ser despedaçado? Essa é a natureza do veneno do
tracker jacker, tão cuidadosamente criado para alvejar o lugar onde o medo vive
no seu cérebro.
Quando eu finalmente volto a mim, eu fico deitada quieta,
esperando pelo próximo ataque de imagens. Mas eventualmente eu aceitei que o
veneno deve ter finalmente saído do meu sistema, deixando meu corpo quebrado e
fraco. Eu ainda estou deitada de lado, presa na posição fetal. Eu levanto uma
mão até meus olhos para achá-los seguros, intocados por formigas que nunca
existiram. Simplesmente esticar meus membros requisita um esforço enorme.
Tantas partes de mim doem, não parece que vale a pena fazer um inventário
delas. Muito, muito lentamente eu consigo me sentar. Estou num buraco raso, não
enchido pelas bolhas laranjas zumbindo da minha alucinação, mas com folhas
velhas e mortas. Minhas roupas estão úmidas, mas eu não sei se a causa era ou
água da lagoa, orvalho, chuva, ou suor. Por um longo tempo, tudo que eu consigo
fazer é tomar pequenos goles da minha garrafa e observar um besouro rastejar
pela lateral de um arbusto de madressilva.
Por quanto tempo fiquei desacordada? Era de manhã quando eu perdi
a razão. Agora era de tarde. Mas a dureza nas minhas juntas sugeria que mais de
um dia tinha passado, possivelmente até dois. Se sim, eu não teria jeito de
saber quais tributos tinha sobrevivido àquele ataque do tracker jacker. Nem a
Glimmer ou a garota do Distrito 4. Mas havia o garoto do Distrito 1, ambos os
tributos do Distrito 2, e Peeta. Eles morreram das picadas? Certamente, se
sobreviveram, seus últimos dias devem ter sido tão horríveis quanto os meus
próprios. E quanto à Rue? Ela é tão pequena, não seria preciso muito veneno
para domá-la. Mas também... os tracker jackers teriam que pegá-la, e ela tinha
tido uma boa dianteira.
Um gosto ruim e podre penetra a minha boca, e a água tem pouco
efeito nisso. Eu me arrasto até o arbusto de madressilva e arranco uma flor. Eu
gentilmente puxo o estame da flor e coloco a gota de néctar na minha língua. A
doçura se espalha pela minha boca, pela minha garganta, aquecendo minhas veias
com lembranças do verão, e a floresta da minha casa e a presença de Gale ao meu
lado. Por alguma razão, nossa discussão daquela última manhã volta até mim.
“Nós poderíamos fazer, sabe.”
“O quê?”
“Deixar o distrito. Fugir. Viver na floresta. Você e eu, nós
podemos fazer isso.”
E de repente, eu não estou pensando no Gale, mas no Peeta e...
Peeta! Ele salvou a minha vida! eu penso. Porque na hora que nos encontramos,
eu não conseguia afirmar o que era real e o que o veneno do tracker jacker
tinha me feito imaginar. Mas se ele tinha me salvado, e meus instintos diziam
que ele tinha, por que motivo? Ele simplesmente está trabalhando no ângulo de
Lover Boy que ele tinha iniciado na entrevista? Ou ele realmente estava
tentando me proteger? E se ele estivesse, o que ele estava fazendo com aqueles
Profissionais, pra começo de conversa? Nada disso fazia sentido.
Eu me pergunto por um momento o que Gale achou do incidente e
então eu empurro esse negócio todo para fora da minha mente porque por alguma
razão Gale e Peeta não coexistem bem juntos nos meus pensamentos.
Então eu me foco na coisa realmente boa que aconteceu desde que eu
pousei na arena. Eu tenho um arco e flechas! Uma inteira dúzia de flechas se
você contar aquele que eu recuperei na árvore. Elas não possuem semelhança
alguma com o limo verde nocivo que saiu do corpo da Glimmer – o que me leva a
crer que isso pode não ter sido inteiramente real –, mas elas têm uma boa
quantidade de sangue seco nelas. Eu posso limpá-las mais tarde, mas eu tiro um
minuto para atirar algumas numa árvore próxima. Elas são mais parecidas com as
armas do Centro de Treinamento do que com as minhas lá em casa, mas quem liga?
Eu posso trabalhar com elas.
As armas me davam uma perspectiva totalmente nova nos Games. Eu
sei que tenho adversários fortes para enfrentar. Mas eu não sou mais uma mera
presa que corre e se esconde e toma medidas desesperadas. Se Cato saísse pelas
árvores agora, eu não fugiria, eu atiraria. Descubro que estou na verdade
antecipando o momento com prazer.
Mas primeiro, eu tenho que colocar um pouco de força de volta no
meu corpo. Estou muito desidratada novamente e meu suprimento de água está
terrivelmente baixo. A pequena camada de gordura que eu consegui adquirir ao me
empanturrar durante o tempo de preparação em Capitol se foi, além de diversos
quilos a mais, também. Meus quadris e costelas estão mais proeminentes do que
eu me lembro desde aqueles terríveis meses após a morte do meu pai. E então há
os meus ferimentos a se conter – queimaduras, cortes, e contusões de bater nas
paredes, e três picadas de tracker jackers, que estão tão doloridas e inchadas
como nunca. Eu trato as minhas queimaduras com pomada e tento untar um pouco as
minhas picadas também, mas não faz efeito algum nelas.
Minha mãe conhecia um tratamento para elas, algum tipo de folha
que podia retirar o veneno, mas ela raramente tinha motivo para usá-la, e eu
nem me lembro nome, quanto mais de sua aparência.
Primeiro água, eu penso. Você pode caçar pelo caminho agora. É
fácil ver a direção de onde vim pelo caminho de destruição que meu corpo
desvairado fez pela folhagem. Então eu ando em outra direção, esperando que
meus inimigos ainda estão presos no mundo surreal do veneno do tracker jacker.
Eu não posso me mover muito rapidamente, minhas juntas rejeitam
quaisquer movimentos abruptos. Mas eu estabeleço minha passada lenta de
caçadora que eu uso quando persigo uma caça. Dentro de poucos minutos, eu
avisto um coelho e faça a minha primeira matança com o arco e a flecha. Não é o
meu tiro limpo normal no olho, mas eu o tomo. Após cerca de uma hora, eu acho um
riacho, raso, mas largo, e mais do que o suficiente para as minhas
necessidades. O sol está quente e severo, então enquanto eu espero minha água
purificar, eu me dispo até ficar de roupa de baixo e arrasto-me na corrente
branda. Estou imunda da cabeça aos pés, tento me chapinhar, mas eventualmente
só fico parada na água por alguns minutos, deixando ela limpar a fuligem e o
sangue e a pele que começou a descascar das minhas queimaduras. Após lavar as
minhas roupas e pendurá-las nos arbustos para secar, eu sento no banco ao sol
por um pouquinho, desembaraçando meu cabelo com meus dedos. Meu apetite retorna
e eu como um biscoito e uma tira de bife. Com um punhado de musgo, eu poli o
sangue das minhas armas de prata.
Refrescada, eu trato das minhas queimaduras de novo, tranço meu
cabelo novamente, e me visto nas minhas roupas úmidas, sabendo que o sol iria
secá-las logo. Seguindo o riacho contra sua corrente parece o mais inteligente
a se fazer. Estou viajando colina acima agora, o que eu prefiro, com uma fonte de
água fresca não só para mim, mas possivelmente para caça. Eu facilmente acerto
um pássaro estranho que deve ser alguma forma de peru selvagem.
No fim da tarde, eu decido construir uma pequena fogueira para
cozinhar a carne, apostando que o pôr-do-sol ajudaria a esconder a fumaça e eu
posso apagar o fogo ao cair da noite. Eu limpo a caça, tomando cuidado extra
com o pássaro, mas não há nada de alarmante nele. Uma vez que as penas são
depenadas, ele não é maior que uma galinha, mas é rechonchudo e firme. Eu acabo
de colocar a primeira porção sobre os carvões quando eu ouço o galho se quebrar.
Em um movimento, eu me viro para o som, trazendo o arco e flecha
no meu ombro. Não há ninguém ali. Ninguém que eu consiga ver, de qualquer
jeito. Então eu avisto a ponta da bota de uma criança simplesmente espiando
detrás de um tronco de uma árvore. Meus ombros relaxam e eu sorrio. Ela
consegue se mover pela floresta como uma sombra, você tem que dar-
lhe esse crédito. Como mais ela poderia
ter me seguido? As palavras saem da minha boca antes que eu possa pará-las.
“Sabe, eles não são os únicos que podem formar alianças,” eu digo.
Por um instante, não há resposta. Então um dos olhos da Rue espia
por trás do tronco. “Você me quer como aliada?”
“Por que não? Você me salvou com aqueles tracker jackers. Você é
esperta o bastante para ainda estar viva. E eu não pareço conseguir me livrar
de você," eu digo. Ela pesteneja para mim, tentando decidir. “Está com
fome?” Eu consigo vê-la engolir em seco, seu olho vacilando para a carne.
“Vamos, então, eu tive duas matanças hoje.”
Rue sai hesitantemente no aberto. “Posso curar suas picadas.”
“Pode?” eu pergunto. “Como?”
Ela procura na mochila que carrega e puxa um punhado de folhas.
Tenho quase certeza de que são essas as que a minha mãe usa. “Onde encontrou
elas?”
“Por aí. Nós todos carregamos elas quando trabalhamos nos pomares.
Elas deixaram um monte de ninhos lá,” diz Rue. “Tem um monte aqui também.”
“É mesmo. Você é do Distrito Onze. Agricultura,” eu digo.
“Pomares, hein? Deve ser assim que você consegue voar pelas árvores como se
tivesse asas.” Rue sorri. Eu parei em uma das poucas coisas que ela admitirá
ter orgulho. “Bem, vamos lá, então. Me conserta.”
Eu caio pesadamente ao lado da fogueira e subo a perna da minha
calça para revelar a picada no meu joelho. Para minha surpresa, Rue coloca o
punhado de folhas em sua mão e começa a mastigá-las. Minha mãe usaria outros
métodos, mas não é como se tivéssemos muita opção. Após um minuto, mais ou
menos, Rue pressiona um bloco verde nojento de folhas mastigadas e cuspe no meu
joelho.
“Ahhh.” O som sai da minha boca antes que eu possa pará-lo. É como
se as folhas estivessem realmente sugando a dor da picada.
Rue dá uma risadinha. “Sorte você ter tido o bom senso de puxar os
ferrões, ou seria muito pior.”
“Põe no meu pescoço! Põe na minha bochecha!” eu quase imploro.
Rue enche sua boca com outro punhado de folhas, e logo eu estou
rindo, porque o alívio é tão doce. Eu noto uma queimadura grande no antebraço
da Rue. “Eu tenho algo para isso.” Eu deixo minhas armas de lado e unto seu
braço com o remédio para queimadura.
“Você tem bons patrocinadores,” ela diz saudosamente.
“Você não recebeu nada ainda?” eu pergunto. Ela balança sua
cabeça. “Você irá, contudo. Veja. Quanto mais perto chegarmos do fim, mais as
pessoas perceberão como você é esperta.” Eu viro a carne.
“Você não estava brincando, sobre me querer como aliada?” ela
pergunta.
“Não, eu estou falando sério,” eu digo. Eu quase consigo ouvir
Haymitch urrando enquanto eu me junto à criança franzina. Mas eu quero ela.
Porque ela é uma sobrevivente, e eu confio nela, e por que não admitir? Ela me
lembra a Prim.
“Está bem,” ela diz, e estica sua mão. Nós apertamos. “É um
acordo.”
É claro, esse tipo de acordo só pode ser temporário, mas nenhuma
de nós menciona isso.
Rue contribui para a refeição com um grande punhado de algum tipo
de raiz dura. Assada sobre o fogo, elas tem o doce e picante gosto de
pastinaca. Ela reconhece a ave, também, alguma coisa selvagem que chamam de
groosling em seu distrito. Ela diz que às vezes uma manada vaga pelo pomar e
eles têm um almoço decente nesse dia. Por um tempo, toda a conversa para
enquanto enchemos nossos estômagos. O groosling tem uma carne deliciosa que é
tão gorda, a gordura pinga no seu rosto quando você a morde.
“Ah,” diz Rue com um suspiro. “Eu nunca comi uma perna inteira
sozinha.”
Aposto que não. Aposto que ela raramente tem carne. “Pegue a
outra,” eu digo.
“Sério?” ela pergunta.
“Pegue o que quiser. Agora que eu tenho um arco e flecha, eu posso
conseguir mais. Além disso, eu tenho armadilhas. Eu posso te mostrar como
montá-las,” eu digo. Rue ainda olha
incerta para a perna. “Ah, pega,” eu digo,
colocando a perna da galinha em sua boca. “Só ficará boa por alguns dias, de
qualquer jeito, e nós temos o pássaro todo, além do coelho.” Uma vez que ela
tomou posse dela, seu apetite ganha e ela dá uma bocada enorme.
“Eu achava que, no Distrito Onze, você teria um pouco mais para
comer do que nós. Sabe, já que vocês plantam comida,” eu digo.
Os olhos de Rue se alargam. “Ah, não, não podemos comer as
colheitas.”
“Eles te prendem, ou algo assim?” eu pergunto.
“Eles te açoitam e fazem todo mundo assistir,” diz Rue. “O
prefeito é muito severo quanto a isso.”
Eu posso afirmar pela expressão dela que não é uma ocorrência tão
incomum. Um açoitamento público é algo raro no Distrito 12, apesar de um
ocorrer ocasionalmente. Tecnicamente, Gale e eu podíamos ser açoitados
diariamente por caçar ilegalmente na floresta – bem, tecnicamente, podíamos
conseguir muito pior – exceto que todos os oficiais compram a nossa carne. Além
do mais, nosso prefeito, o pai da Madge, não parece gostar muito de tais
eventos. Talvez ser o distrito menos prestigioso, mais pobre, e mais
ridicularizado do país tem suas vantagens. Tal como ser amplamente ignorado
pelo Capitol enquanto produzíssimos nossas quotas de carvão.
“Você tem todo o carvão que quer?” Rue pergunta.
“Não,” eu pergunto. “Só o que compramos e o que quer que fique
preso nas nossas botas.”
“Eles nos alimentam um pouquinho a mais durante a colheita, para
que as pessoas possam continuar por mais tempo,” diz Rue.
“Você não tem que estar na escola?” eu pergunto.
“Não durante a colheita. Todos trabalham nessa época," diz
Rue.
É interessante, escutar sobre a vida dela. Nós temos tão pouca
comunicação com qualquer um fora do nosso distrito. De fato, eu me pergunto se
os Gamemakers estão bloqueando a nossa conversa, porque mesmo que a informação
parece ser inofensiva, eles não querem que pessoas em distritos diferentes
saibam umas sobre as outras.
Como Rue sugeriu, nós deitamos toda a nossa comida para planejar
adiantadamente. Ela viu a maior parte da minha, mas eu acrescento as últimas
bolachas e tiras de bife à pilha. Ela coletou uma bela coleção de raízes,
nozes, verduras frescas, e até mesmo algumas bagas.
Eu rolo uma baga estranha nos meus dedos. “Você tem certeza de que
isso é seguro?”
“Ah, sim, nós a temos lá em casa. Eu estou comendo elas há dias,”
ela diz, enfiando um punhado em sua boca. Eu mordo uma hesitantemente, e é tão
boa quanto as nossas amoras silvestres. Ter a Rue como aliada parece uma
escolha melhor o tempo todo. Nós dividimos nosso suprimento de comida, para
que, caso fôssemos separadas, ambas ficaríamos bem por alguns dias. Fora a
comida, Rue tem um pequeno odre de água, um estilingue caseiro, e um par extra
de meias. Ela também tem um caco afiado de pedra que usa como faca. “Eu sei que
não é muito,” ela diz, como se estivesse envergonhada, “mas eu tinha que sair
da Cornucópia rápido.”
“Você fez bem,” eu digo. Quando eu espalho meus utensílios, ela
arfa um pouco quando vê o óculos de sol.
“Como você conseguiu ele?” ela pergunta.
“Na minha mochila. Ele foi inútil até agora. Não bloqueia o sol e
dificulta enxergar,” eu digo com um dar de ombros.
“Ele não é para o sol, ele é para a escuridão,” exclama Rue. “As
vezes, quando colhemos à noite, eles passam alguns pares para aqueles que ficam
mais ao alto das árvores. Onde a luz das tochas não alcança. Uma vez, esse
garoto Martin, tentou ficar com o seu. Escondeu em sua calça. Eles o mataram no
ato.”
“Eles mataram um garoto por ficar com isso?” eu digo.
“Sim, e todos sabiam que ele não era perigoso. Martin não era bem
da cabeça. Quer dizer, ele ainda agia como alguém de três anos. Ele só queria o
óculos para brincar,” diz Rue.
Ouvir isso me faz sentir que o Distrito 12
é algum tipo de refúgio seguro. É claro, as pessoas desmaiam por causa de fome
o tempo todo, mas eu não consigo imaginar os Peacekeepers assassinando uma
criança boba, Tem uma garotinha, uma das netas da Greasy Sae, que vaga por Hob.
Ela não é bem certa das ideias, mas ela é tratada como um tipo de animal de
estimação. As pessoas lhe jogam restos e coisas.
“Então o que ele faz?” eu pergunto a Rue, pegando o óculos.
“Ele te deixa ver na completa escuridão,” diz Rue. “Experimente-os
hoje à noite quando o sol se por.”
Eu dou alguns fósforos à Rue e ela se certifica de que eu tenho
folhas o bastante no caso das minhas picadas doerem novamente. Nós extinguimos
nossa fogueira e nos dirigimos corrente acima até quase o anoitecer.
“Onde você dorme?” eu pergunto a ela. “Nas árvores?” Ela assente.
“Só com a sua jaqueta?”
Rue ergue seu par extra de meias. “Eu tenha essas para as minhas
mãos.”
Eu penso em como as noites têm sido frias. “Você pode compartilhar
o meu saco de dormir se quiser. Nós duas cabemos facilmente." Seu rosto
ilumina-se. Eu posso afirmar que isso é mais do que ela ousava esperar.
Nós escolhemos uma forquilha alta em uma árvore e nos acomodamos
pela noite, bem quando o hino começa a tocar. Não houve mortes hoje.
“Rue, eu só acordei hoje. Quantas noites eu perdi?” O hino deveria
bloquear nossas palavras, mas ainda assim eu sussurro. Eu até mesmo tomo a
precaução de cobrir meus lábios com a minha mão. Eu não quero que a audiência
saiba o que eu estou planejando contar a ela sobre Peeta. Entendendo a minha
dica, ela faz o mesmo.
“Duas,” ela diz. “As garotas dos Distritos Um e Quatro estão
mortas. Há dez de nós restantes.”
“Algo estranho aconteceu. Pelo menos, eu acho que sim. Pode ter
sido o veneno do tracker jacker me fazendo imaginar coisas,” eu digo. “Você
conhece o garoto do meu distrito? Peeta? Eu acho que ele salvou a minha vida.
Mas ele estava com os Profissionais.”
“Ele não está com eles agora,” ela diz. “Eu os espiei em seu
acampamento base no lago. Eles voltaram antes que tivessem um colapso por causa
das picadas. Mas ele não está lá. Talvez ele tenha mesmo te salvado e teve que
fugir.”
Eu não respondo. Se, de fato, Peeta me salvou, eu estou devendo a
ele novamente. E isso não pode ser pago de volta. “Se ele salvou, foi tudo
provavelmente só parte de sua atuação. Sabe, para fazer as pessoas pensarem que
ele está apaixonado por mim.”
“Ah,” diz Rue pensativamente. “Eu não achei que fosse uma atuação.”
“Claro que é,” eu digo. “Ele arquitetou isso com o nosso mentor.”
O hino acabou e o céu fica preto. “Vamos experimentar esse óculos.” Eu peguei o
óculos e os coloquei. Rue não estava brincando. Eu consigo ver tudo, desde as
folhas nas árvores até o gambá passeando pelos arbustos há uns bons quinze
metros de distância. Eu poderia matá-lo daqui se eu quisesse. Eu poderia matar
qualquer um.
“Eu me pergunto quem mais tem um desses,” eu digo.
“Os Profissionais têm dois. Mas eles têm de tudo no lago,” Rue
diz. “E eles são tão fortes.”
“Somos fortes, também,” eu digo. “Só que de uma maneira diferente.”
“Você é. Você consegue atirar,” ela diz. “O que eu posso fazer?”
“Você pode se alimentar. Eles podem?” eu pergunto.
“Eles não precisam. Eles têm todos aqueles suprimentos,” Rue diz.
“Digamos que eles não tivessem. Digamos que os suprimentos se
foram. Quanto tempo eles durariam?” eu digo. “Quer dizer, é o Hunger Games,
certo?”
“Mas, Katniss, eles não estão com fome,” diz Rue.
“Não, não estão. Esse é o problema,” eu concordo. E pela primeira
vez, eu tenho um plano. Um plano que não é motivado pela necessidade de fugir e
evadir. Um plano ofensivo. “Acho que vamos ter que consertar isso, Rue.”
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