Dar o caldo para Peeta levou
uma hora de persuasão, suplicas, ameaças, e sim, beijos, mas finalmente, gole
por gole, ele esvaziou o pote. Deixo-o dormir então e atendo às minhas próprias
necessidades, engolindo um suprimento de ervas e raízes enquanto observo o
relatório diário no céu. Sem novas casualidades. Mesmo assim, Peeta e eu demos à
audiência um dia bastante interessante. Se tivermos sorte, os Gamemakers vão
nos permitir uma noite pacífica.
Automaticamente procuro ao
redor uma boa árvore para me abrigar antes de perceber que acabou. Pelo menos
por enquanto. Não posso deixar Peeta desprotegido no chão. Eu deixo a cena de
seu último esconderijo na margem do córrego intocado – como eu poderia
ocultá-la? – e estamos a poucos cinquenta metros rio abaixo. Ponho meus óculos,
colocando minhas armas ao alcance, e sento-me para me manter em vigilância.
A temperatura cai rapidamente
eu logo estou tremendo até os ossos. Eventualmente, eu sedo e deslizo para
dentro do saco de dormir com Peeta. Está quente e eu me aconchego agradecida
até perceber que está mais do que quente, está excessivamente quente porque o
saco está refletindo a febre dele. Verifico sua testa e encontro-a queimando e
seca. Não sei o que fazer. Deixo-o no saco e espero que o calor excessivo
termine a febre? Tiro-o dali e espero que o ar da noite o esfrie? Acabo apenas
umedecendo uma tira de gaze e colocando-a sobre sua testa. Parece fraco, mas
tenho medo de fazer algo drástico demais.
Passo a noite meio sentada,
meio deitada ao lado de Peeta, refrescando a gaze, tentando não pensar no fato
de, juntando-me a ele, eu me fiz muito mais vulnerável do que quando estava
sozinha. Presa ao chão, de guarda, com uma pessoa muito doente para tomar
conta. Mas eu sabia que ele estava machucado. E ainda fui atrás dele. Eu só
tenho de confiar que qualquer que seja o instinto que me mandou encontrá-lo era
bom.
Quando o céu fica róseo, noto o
brilho de suor do lábio de Peeta e descubro que a febre acabou. E não voltou ao
normal, mas a febre baixou alguns graus. Noite passada, quando eu estava
recolhendo vinhas, topei com as bagas de Rue. Descasquei a fruta e amassei no
pote de caldo com água fria.
Peeta se esforça para se
levantar quando eu alcanço a caverna. “Eu acordei e você não estava aqui,” ele
diz. “Estava preocupado com você.”
Tenho de rir quando eu o
tranquilizo. “Você estava preocupada comigo? Você já se olhou ultimamente?”
“Pensei que Cato e Clove tinham
te encontrado. Eles gostam de caçar a noite,” diz, ainda sério.
“Clove? Quem é essa?” Pergunto.
“A garota do Distrito Dois. Ela
ainda está viva, certo?” diz.
“Sim, há apenas eles e nós, e
Thresh e Foxface,” digo. “Esse é o apelido que eu dei para a garota do Cinco.
Como você se sente?”
“Melhor do que ontem. Essa é
uma enorme melhoria sobre a lama,” diz. “Roupas limpas e remédio e saco de
dormir... e você.”
“Ah, certo, a coisa toda de
romance. Estendo a mão para tocar sua bochecha e ele a pega e pressiona contra
seus lábios. Lembro-me do meu pai fazendo isso com a minha mãe e pergunto de
onde Peeta pegou isso. Não tenho certeza se foi do pai dele e da bruxa.
“Sem mais beijos para você até
que tenha comido,” digo.
Nós conseguimos colocá-lo
contra a parede e ele, obedientemente, engole as colheradas de mingau de uvas
que eu fiz. Ele recusa as ervas novamente, no entanto.
“Você não dormiu,” Peeta diz.
“Estou bem,” digo. Mas a
verdade é, estou exausta.
“Durma agora. Vou ficar
observando. Vou te acordar se algo acontecer,” diz. Eu hesito. “Katniss, você
não pode ficar acordada para sempre.”
Ele tem um ponto aqui. Tenho
que dormir eventualmente. E provavelmente é melhor fazer isso agora quando ele
parece relativamente alerta e temos a luz do dia do nosso lado. “Tudo bem,”
digo. “Mas só por algumas horas. Então você me acorda.”
É muito quente para o saco de
dormir agora. Eu coloco-o sobre o chão da caverna e deito, uma mão no meu arco
carregado no caso de eu ter de atirar a qualquer momento. Peeta se senta ao meu
lado, inclinando-se contra a parede, sua perna ruim estirada ante a ele, seus
olhos focados no mundo lá fora. “Vá dormir,” diz suavemente. Sua mão afaga uma mecha
do meu cabelo sobre minha testa. Diferente dos beijos e das carícias encenadas
até agora, esse gesto parece natural e confortante. Não quero que ele pare e
ele não para. Ele ainda está tocando meu cabelo quando caio no sono.
Tempo demais. Dormi tempo
demais. Sei do momento em que abro meus olhos que é de tarde. Peeta está no meu
lado, sua posição inalterada. Sento-me, sentindo-me meio defensiva, mas melhor
do que estive em dias.
“Peeta, você deveria me acordar
depois de algumas horas,” digo.
“Pra quê? Nada aconteceu aqui,”
ele diz. “Além disso, eu gosto de te observar dormir. Você não faz cara feia.
Melhora muito sua aparência.”
Isso, é claro, me traz uma cara
feia que o faz rir. É quando percebo quão seco seus lábios estão. Toco sua
testa. Quente como um fogão a carvão. Ele afirma que esteve bebendo, mas o
recipiente ainda está todo cheio para mim. Dou a ele mais pílulas para febre e
fico perto dele enquanto ele toma o primeiro, e depois um segundo quarto de
água. Então olho suas feridas menores, as queimaduras, as picadas, que estão
mostrando melhoras. Eu me firmo e desato sua perna.
Meu coração para meu estômago.
Está pior, muito pior. Não há pus em evidência, mas o inchaço aumentou e a pele
brilhante está inflamada. Então vejo as listras vermelhas começando a subir
pela sua perna. Envenenamento sanguíneo. Se não for parado, vai matá-lo com
certeza. Minhas folhas mastigadas e pomada não vão pará-lo. Vamos precisar de
um forte antibiótico do Capitol. Não posso imaginar o custo de um remédio tão forte.
Se Haymitch juntar toda
contribuição de todos os patrocinadores, ele teria o bastante? Duvido.
Presentes sobem em preço à medida que os Games continuam. O que compra uma
refeição completa num dia compra um biscoito no dia doze. E o tipo de remédio
que Peeta precisa teria sido um prêmio desde o início.
“Bem, há mais inchaço, mas o
pus se foi,” digo numa voz instável.
“Sei o que envenenamento
sanguíneo é, Katniss,” diz Peeta. “Mesmo que minha mãe não seja uma
curandeira.”
“Você só tem de sobreviver aos
outros, Peeta. Eles vão te curar no Capitol quando nós ganharmos,” digo.
“Sim, é um bom plano,” diz. Mas
sinto que isso é mais para meu benefício.
“Você tem que comer. Mantenha
sua força para cima. Vou fazer sua sopa,” digo “Não acenda o fogo,” diz. “Não
vale a pena.”
“Vamos ver,” digo. Quando levo
o pote para o riacho, estou abatida com quão brutalmente quente está. Juro que
os Gamemakers estão progressivamente aumentando a temperatura do dia e
diminuindo a noite. O calor das pedras do lago me da uma ideia, entretanto.
Talvez eu não precise acender o fogo.
Eu me sento numa grande pedra
lisa no meio do caminho entre o lago e a caverna. Depois de purificar meio pote
de água, coloco-o sob luz do sol e acrescendo algumas pedras quentes do tamanho
de ovos na água. Sou a primeira a admitir que eu não saiba cozinhar muito bem.
Mas visto que fazer sopa consiste basicamente em jogar tudo num pote e esperar,
esse é um dos meus melhores pratos. Moo ervas até que elas quase se tornem uma
massa e misturo com as raízes de Rue. Felizmente elas já foram torradas, assim
preciso apenas esquentá-las. Agora mesmo, entre a luz do sol e as pedras, a
água está quente. Coloco nela a carne e as raízes, tiro as pedras, e vou
procurar algo verde para temperá-lo um pouco. Em pouco tempo, encontro um tufo
de cebolinhas crescendo na base de algumas pedras. Perfeito. Corto-as bem finas
e acrescento-as ao pote, trocando as pedras novamente, colocando a tampa, e
deixando o resto acontecer.
Vejo poucos sinais do jogo ao
redor, mas não me sinto confortável deixando Peeta sozinho enquanto caço, então
faço meia dúzia de armadilhas e rezo para ter sorte. Pergunto-me sobre os
outros tributos, como eles estão fazendo agora que sua principal fonte de
comida explodiu. Pelo menos três deles, Cato, Clove, e Foxface, contavam com
ela. Provavelmente Thresh não, entretanto. Tenho o pressentimento que ele deve
dividir algum do conhecimento de Rue de como se alimentar da terra. Eles estão
lutando entre si? Procurando por nós? Talvez um deles tenha nos localizado e
esteja apenas esperando pelo momento certo para atacar. A ideia me envia de
volta para a caverna.
Peeta está estendido sobre o
saco de dormir nas formas das pedras. Embora ele tenha se animado quando eu
entrei, está claro que ele se sente miserável. Ponho uns panos frios sobre sua
testa, mas eles ficam quentes logo que tocam sua pele.
“Você quer algo?” Pergunto.
“Não,” diz. “Obrigado. Espere,
sim. Conte-me uma história.”
“Uma história? Sobre o quê?”
Digo. Não sou uma boa contadora de histórias. É como cantar. Mas de vez em
quando, Prim consegue uma de mim.
“Algo feliz. Conte-me sobre o
dia mais feliz que você pode se lembrar,” diz Peeta.
Algo entre um suspiro e um bufo
de exasperação deixa minha boca. Uma história feliz? Isso requer muito mais
esforço que a sopa. Eu espremo meu cérebro por boas memórias. A maioria envolve
Gale e eu fora caçando e de alguma forma não penso que essas iriam ser boas
para Peeta e a audiência. Resta Prim.
“Eu já te contei como consegui
a cabra de Prim?” Pergunto. Peeta balança a cabeça, e olha para mim com
expectativa. Então eu começo. Mas cuidadosamente. Porque minhas palavras estão
saindo para toda Panem. E enquanto as pessoas sem dúvida somaram dois mais dois
e perceberam que caço ilegalmente, não quero machucar Gale ou Greasy Sae ou a
açougueira, ou até os Pacificadores de casa que são meus clientes, por anunciar
publicamente que eles quebram a lei, também.
Aqui está a verdadeira história
de como consegui dinheiro para a cabra de Prim, Lady. Era uma tarde de sexta, o
dia anterior ao décimo aniversário de Prim no final de maio. Logo que a escola
terminou, Gale e eu entramos na floresta, porque eu queria conseguir o bastante
para trocar por um presente para Prim. Talvez algum novo tecido para um vestido
ou uma escova de cabelo. Nossas armadilhas foram bem feitas e a floresta estava
cheia de verduras, mas isso realmente era nada mais que nossa média de uma
noite de sexta. Estava desapontada quando voltamos, mesmo Gale dizendo que
seria melhor no dia seguinte. Nós estávamos descansando por um momento perto do
riacho quando o vimos. Um jovem cervo, provavelmente de um ano, pelo seu
tamanho. Seus chifres ainda estavam crescendo, ainda pequenos e revestidos de
veludo. Posicionado para correr, mas inconsciente de nós, não familiar com
humanos. Bonito. Menos bonito, talvez,
quando duas flechas o pegaram, uma no pescoço, outra no peito. Gale e eu
atiramos ao mesmo tempo. O cervo tentou correr, mas tropeçou, e a faca de Gale
deslizou pelo seu pescoço antes que ele soubesse o que estava acontecendo.
Momentaneamente, senti uma dor por matar algo tão jovem e inocente. E então meu
estômago rugiu ao pensar naquela carne jovem e inocente.
Um veado! Gale e eu tínhamos
apenas pegado três no total. O primeiro, uma corça que tinha machucado a perna
de alguma forma, quase não contava. Mas sabíamos por experiência que não
deveríamos levar a carcaça para o Hob. Isso causou caos com pessoas barganhando
as partes e, na verdade, tentando pegar alguns pedados para si. Greasy Sae
interferiu e mandou nossa corça para a açougueira, mas não antes de ele ser
muito danificado, pedaços grande de carne levados, a pele cheia de buracos.
Embora todos tenham pagado justamente, isso baixou o preço da caça.
Dessa vez, esperamos até o
anoitecer e passamos pelo buraco na cerca perto da açougueira. Embora
conhecíamos os caçadores, não seria bom carregar o veado de 10 quilos pelas
ruas do Distrito 12 à luz do dia, como se estivéssemos esfregando-o na cara dos
oficiais.
A açougueira, uma mulher
pequena e volumosa de nome Rooba, veio para a porta de trás quando batemos.
Você não discute com Rooba. Ela te dá um preço, que você pega ou parte, mas é
um preço justo. Pegamos sua oferta do veado e jogou dois bifes de veado que
podíamos pegar depois do abate. Mesmo com o dinheiro dividido por dois, nem
Gale nem eu tivemos tanto de uma vez em nossas vidas. Decidimos manter em
segredo e surpreender nossas famílias com o dinheiro da carne no final do
próximo dia.
Foi daí onde tirei dinheiro
para a cabra, mas contei a Peeta que vendi um velho medalhão de prata da minha
mãe. Isso não pode machucar ninguém. Então pego a história do final da tarde do
aniversário de Prim.
Gale e eu fomos ao mercado na
praça para que eu pudesse comprar o material do vestido. Enquanto eu estava
correndo meus dedos sobre um grosso pano azul de algodão, algo apareceu na
minha vista. Há um velho que mantém um pequeno rebanho de cabras do outro lado
de Seam. Não sei seu nome real, todos o chamam apenas de Homem da Cabra. Suas juntas
são inchadas e deformadas em ângulos dolorosos, e ele tem uma tosse seca que
prova que ele passou anos nas minas. Mas ele é sortudo. Em algum momento ele
juntou dinheiro suficiente para essas cabras e agora tem algo a fazer na sua
velhice além de morrer de fome. Ele é imundo e impaciente, mas as cabras são
limpas e o leite delas é rico se você pode bancar.
Uma das cabras, uma branca com
manchas pretas, estava caída numa carroça. Era fácil ver o por que. Algo,
provavelmente um cão, bateu no seu ombro e uma infecção começou. Isso era ruim,
o Homem da Cabra tinha segurado-a para pegar seu leite. Mas eu pensei que
conhecia alguém que podia consertar.
“Gale,” sussurrei. “Quero uma
cabra para Prim.”
Possuir uma cabra pode mudar
sua vida no Distrito 12. Os animais podem viver à quase tudo, e Meadow tem a
alimentação perfeita, e eles podem dar quatro galões de leite por dia. Para
beber, fazer leite, vender. Não é nem contra a lei.
“Ela está muito mal,” disse
Gale. “É melhor dar uma olhada mais de perto.”
Aproximamo-nos e compramos um
copo de leite para dividir, então ficamos perto da cabra como se estivéssemos
curiosos.
“Deixem-na,” disse o homem.
“Apenas olhando,” disse Gale.
“Bem, olhem rápido. Ela vai pra
açougueira logo. Dificilmente alguém vai comprar o leite dela, então eles
apenas pagam metade do preço,” disse o homem.
“Quando a açougueira está dando
por ela?” Perguntei.
O homem encolheu os ombros.
“Fiquem por aí e vejam.” Virei-me e vi Rooba vindo pela praça para nós. “Sorte
você aparecer,” disse o Homem da Cabra quando ela chegou. “A garota está de
olho na sua cabra.”
“Não se ela a comprou,” digo
cuidadosamente. Rooba olha para mim de baixo para cima e franze o cenho para a
cabra. “Ela não é. Olhe para aquele ombro. Aposto que metade da carcaça estará
muito podre, até para salsicha.”
“O quê?” disse o Homem da
Cabra. “Nós tínhamos um trato.”
“Nós tínhamos um trato com o
animal com poucas marcas de dentes. Não essa coisa. Venda-a para a garota se
ela for estúpida o bastante para levá-la,” disse Rooba. Quando ela se retirava,
vi sua piscadela.
O Homem da Cabra estava
furioso, mas ainda quis se livrar daquela cabra. Levou meia hora para acertar o
preço. Uma boa multidão se juntou para dar opinião. Era um excelente negócio se
a cabra vivesse; e um roubo se ela morresse. As pessoas tomavam seus lados na
discussão, mas eu levei a cabra.
Gale se ofereceu para
carregá-la. Acho que ele queria ver o rosto de Prim tanto quanto eu. Num
momento de vertigem, comprei um laço rosa e atei no seu pescoço. Então corremos
para minha casa.
Você deveria ter visto a reação
de Prim quando entramos com a cabra. Lembrar-se da garota que chorou para
salvar aquele terrível gato velho, Buttercup. Ela estava tão excitada que
começou a chorar e rir ao mesmo tempo. Minha mãe estava menos animada, vendo o
machucado, mas então começou a trabalhar neles, moendo ervas e persuadindo a
mistura a descer pela garganta do animal.
“Eles parecem você,” diz Peeta.
Quase esqueci que ele estava ali.
“Ah, não, Peeta. Eles
trabalharam com mágica. Aquela coisa não poderia morrer mesmo se tentasse,”
digo. Mas então mordo minha língua, percebendo como deve ter soado para Peeta,
que estava morrendo, nas minhas incompetentes mãos.
“Não se preocupe. Não estou
tentando,” ele brinca. “Termine a história.”
“Bem, é isso. Só lembro-me
daquela noite, Prim insistiu em dormir com Lady no cobertor próximo ao fogo. E
antes de dormirem, a cabra lambeu sua bochecha, como se estivesse dando a ela
um beijo de boa noite ou algo assim,” digo. “Já era louca por ela.”
“Ainda estava usando a fita
rosa?” ele pergunta.
“Acho que sim,” digo. “Por
quê?”
“Estou apenas tentando
imaginar,” diz pensativamente. “Posso ver porque esse dia te deixou feliz.”
“Bem, eu sabia que aquela cabra
seria uma pequena mina de ouro,” digo.
“Sim, é claro que eu estava me
referindo a isso, não ao último presente que você deu a sua irmã que ama tanto
que tomou seu lugar na colheita,” diz Peeta secamente.
“A cabra se pagou por si só.
Muitas vezes,” digo num tom superior.
“Bem, ela não ousaria mais nada
depois de você ter salvado a vida dela,” diz Peeta. “Tenciono fazer a mesma
coisa.”
“Sério? O que você vai me
custar de novo?” pergunto.
“Muitos problemas. Não se
preocupe. Você ganhará de volta tudo,” diz.
“Você não está fazendo sentido,”
digo. Testo sua testa. A febre não subiu. “Você está mais frio, entretanto.”
O som de trombetas me assusta.
Fico de pé e vou até a boca da caverna rapidamente, não querendo perder uma
sílaba. É meu novo melhor amigo, Claudius Templesmith, e como eu esperava, ele
está nos convidando para um banquete. Bem, nós não estamos com tanta fome e, na
verdade, eu afasto sua oferta com indiferença quando ele diz, “Agora esperem.
Alguns de vocês podem já estar rejeitando minha oferta. Mas não é um banquete
ordinário. Cada um de vocês precisa de algo desesperadamente.”
Eu preciso de algo
desesperadamente. Algo para curar a perna de Peeta.
“Cada um de vocês vai encontrar
esse algo numa mochila, marcada com o número do seu distrito, na Cornucópia ao
amanhecer. Pensem bem sobre recusar a aparecer. Para alguns de vocês, essa será
a última chance,” diz Claudius.
Não há nada mais, apenas suas
palavras pairando no ar. Pulo quando Peeta agarra meu ombro de trás. “Não,” ele
diz. “Você não vai arriscar sua vida por mim.”
“Quem disse que eu ia?” digo.
“Então, você não vai?” ele
pergunta.
“Claro que não vou. Dê-me algum
crédito. Você acha que vou correr direto para alguma competição livre contra
Cato, Clove e Thresh? Não seja estúpido,” digo, ajudando-o a se deitar. “Vou deixá-los
lutar, e veremos quem estará no céu amanhã de noite, e vamos planejar daí.”
“Você é uma péssima mentirosa,
Katniss. Não sei como você sobreviveu por tanto tempo.” Ele começa a me imitar.
“Eu sabia que aquela cabra seria uma pequena mina de outro. Você está mais
frio, entretanto. É claro que eu não vou.” Ele balança a cabeça. “Nunca jogue
cartas. Você vai perder até sua última moeda,” diz.
A raiva ruboriza meu rosto.
“Certo, eu vou, e você não pode me parar!”
“Posso te seguir. Ao menos
metade do caminho. Posso não chegar à Cornucópia, mas se eu gritar seu nome,
aposto que algo pode me encontrar. E então vou estar morto, com certeza,” ele
diz.
“Você não conseguirá andar cem
metros daqui com essa perna” digo.
“Então vou me arrastar,” diz
Peeta. “Você vai e eu vou, também.”
Ele é teimoso o bastante e
talvez só forte o bastante para fazer. Vir uivando atrás de mim na floresta.
Mesmo se um tributo não encontrá-lo, alguma coisa mais vai. Ele não pode se
defender. Provavelmente terei de prendê-lo na caverna para ir. E quem sabe o
que o esforço pode fazer com ele?
“O que eu deveria fazer? Sentar
aqui e ver você morrer?” digo. Ele pode saber que não é uma opção. Que a
audiência me odiaria. E francamente, eu me odiaria, também, se nem tentasse.
“Não vou morrer. Eu prometo. Se
você prometer não ir,” ele diz.
Estamos em algo como um empate.
Sei que não posso argumentar com ele nessa, então nem tento. Finjo, relutante,
concordar. “Então você tem de fazer o que eu disser. Beba sua água, acorde-me
quando eu disser, e coma cada pedaço de sopa, não importa quão nojento ela
seja!” Grito para ele.
“Feito. Está pronta?” ele
pergunta.
“Espere aqui,” digo. O ar ficou
frio embora o sol ainda esteja alto. Estou certa sobre os Gamemakers bagunçando
a temperatura. Pergunto-me se a coisa que alguém precisa desesperadamente é um
bom banquete. A sopa ainda está boa e quente no pote de ferro. E, na verdade,
não tem um gosto muito ruim.
Peeta come sem reclamar, até
raspa o pote para mostrar seu entusiasmo. Ele fala como está deliciosa, que
deveria ser encorajador, se você não soubesse o que a febre faz às pessoas. Ele
é como escutar Haymitch antes que o álcool o afogue na incoerência. Dou a ele
outra dose de remédio para febre antes dele dormir completamente.
Quando desço até o riacho para
me lavar, tudo que posso pensar é que ele vai morrer se eu não for ao banquete.
Vou mantê-los por um dia ou dois, e então a infecção vai atingir seu coração ou
seu cérebro ou seus pulmões e ele se vai. E eu estarei aqui sozinha. De novo. Esperando
pelos outros.
Estou tão perdida nos
pensamentos que acho perto um paraquedas, embora ele flutuasse ante a mim.
Então eu me lanço atrás dele, puxando-o da água, rasgando o tecido prateado
para recuperar o frasco. Haymitch fez! Ele conseguiu remédio – não sei como,
persuadiu algumas tolas mulheres românticas para vender suas joias – e posso
salvar Peeta! É um frasco tão pequeno, porém. Deve ser forte o bastante para
curar alguém tanto doente como Peeta. Uma onda de dúvidas me atravessa.
Destampo o frasco e dou uma cheirada profunda. Minha força cai ao doentio
cheiro doce. Sem dúvidas, é sonífero. Um remédio comum no Distrito 12. Barato,
em relação aos outros remédios, mas muito viciante. Quase todos têm uma dose ou
outra. Temos uma garrafa em casa. Minha mãe dá a histéricos pacientes para
desacordá-los para dar pontos numa ferida ruim ou aquietar suas mentes ou
apenas ajudar alguém em dor a atravessar a noite. É apenas um pouco. Um frasco
desse tamanho poderia desacordar Peeta por todo um dia, mas qual é o bom disso?
Estou tão furiosa que estou quase atirando a última oferta de Haymitch no
riacho percebo. Um dia todo? É mais do que eu preciso.
Eu moo um punhado de bagas para
que o gosto não seja não notável e acrescendo folhas de hortelã em boa medida.
Então volto para a caverna. “Trouxe para você um banquete. Achei bagas um pouco
rio abaixo.”
Peeta abre sua boca para o
primeiro pedaço sem hesitação. Ele engole e depois franze o cenho levemente.
“Elas são muito doces.”
“Sim, elas são bagas doces.
Minha mãe faz geleia com eles. Você nunca as provou antes?” digo, empurrando a
próxima colherada na sua boca.
“Não,” ele diz, quase surpreso.
“Mas o gosto é familiar. Bagas doces?”
“Bem, você não pode
consegui-las no mercado, elas são silvestres,” digo. Outro bocado desce. Apenas
um para ir.
“Elas são doces como xarope,”
diz, tomando a última colherada. “Xarope.” Seus olhos se ampliam quando ele
percebe a verdade. Eu pressiono minha mão sobre sua boca e seu nariz
fortemente, forçando-o a engolir em vez de cuspir. Ele tenta vomitar o mistura,
mas é tarde demais, ele já está perdendo a consciência. Mesmo quando ele
desacorda, posso ver em seus olhos que o que fiz é imperdoável.
Sento-me sobre meus calcanhares
e olho para ele com uma mistura de tristeza e satisfação. Uma baga mancha seu
queijo, e eu o limpo. “Quem não pode mentir, Peeta?” digo, embora ele não possa
me escutar.
Isso não importa. O resto de
Panem pode.
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