terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

Jogos Vorazes Capitulo 6 e 7


O Centro de Treinamento tem uma torre designada exclusivamente para os tributos e suas equipes. Ela será a nossa casa até os reais Games começarem. Cada distrito tem todo um andar. Você simplesmente entra num elevador e pressiona o número do seu distrito. Fácil o bastante para lembrar.
Eu tinha entrado num elevador um par de vezes no Edifício da Justiça no Distrito 12. Uma vez para receber a medalha pela morte do meu pai e depois ontem para dizer meu adeus final para meus amigos e família. Mas aquele era uma coisa escura e que range, que se move como uma lesma e cheira como leite azedo. As paredes deste elevador são feitas de cristal assim você pode assistir as pessoas no andar térreo encolhendo-se ao tamanho de formigas enquanto você sobe no ar. É estimulante e eu sou tentada a perguntar a Effie Trinket se nós podemos andar nele de novo, mas de alguma forma isso parece infantil.
Aparentemente, os deveres de Effie Trinket não se concluíram na estação. Ela e Haymitch irão nos inspecionar até a arena. De certo modo, isso é bom porque pelo menos podemos contar com ela para nos levar aos lugares pontualmente enquanto que nós não temos visto Haymitch desde que ele aceitou nos ajudar no trem. Provavelmente desmaiado em algum lugar. Effie Trinket, por outro lado, parece estar voando alto. Nós somos a primeira equipe que ele jamais escoltou que fez um estouro nas cerimônias de abertura. Ela é amável não só pelos nossos trajes mas como nós nos dirigimos. E, para ouvi-la dizer que ela conhece todo mundo que é alguém em Capitol, e que tem falado de nós todo o dia, tentando ganhar para nós patrocinadores.
“Eu tenho sido muito misteriosa, entretanto,” ela diz, seus olhos oblíquos meio fechados. “Porque, é claro, Haymitch não se preocupou em me dizer suas estratégias. Mas eu tenho feito o meu melhor com o que eu tenho que trabalhar. Como Katniss se sacrificou por sua irmã. Como ambos vocês lutaram com sucesso para superar a barbaridade do distrito de vocês.”
Barbaridade? Isso é irônico vindo de uma mulher ajudando a nos preparar para um massacre. E em quê ela está baseando o nosso sucesso? Nossas maneiras na mesa?
“Todo mundo tem suas reservas, naturalmente. Vocês sendo de um distrito de carvão. Mas eu disse, e isso foi muito esperto da minha parte, eu disse, ‘Bem, se você colocar pressão o bastante no carvão ele se torna pérolas!’” Effie sorri para nós de forma tão brilhante que não temos escolha a não ser responder entusiasmadamente a sua inteligência embora esteja errada.
Carvão não se transforma em pérolas. Elas crescem em molusco. Possivelmente ela quer dizer que carvão se transforma em diamantes, mas então não é verdade. Eu tenho escutado que eles têm algum tipo de máquina no Distrito 1 que pode transformar grafite em diamantes. Mas nós não exploramos grafite no Distrito 12. Esse era o trabalho do Distrito 13 até eles serem destruídos.
Pergunto-me se as pessoas com as quais ela está fazendo nossa propaganda por todo dia sabem disso ou se importam.
“Infelizmente, não posso fechar acordos de patrocínios por vocês. Somente Haymitch pode fazer isso,” diz Effie com raiva. “Mas não se preocupem, eu vou levá-lo à mesa na mira se necessário.”
Embora tenha carência em muitas áreas, Effie Trinket tem uma certa determinação que eu tenho que admirar.
Meus quartos são maiores que nossa casa inteira. Eles são de veludo, como no vagão do trem, mas, além disso, tem tantas máquinas automáticas que estou certa de que não terei tempo para apertar todos os botões. O chuveiro sozinho tem um painel com mais de cem opções que você pode escolher regulando a temperatura da água, pressão, sabonetes, xampus, perfumes, óleos, e esponjas para massagem. Quando você sai em uma pequena esteira, aquecedores aparecem para secar seu corpo. Em vez de lutar com os nós no meu cabelo molhado, meramente coloquei minha mão em uma caixa que enviou uma corrente através do meu
escalpo, desembaraçando, partindo, e secando meu cabelo quase instantaneamente. Ele flutua para baixo em torno dos meus ombros, numa cortina brilhante.
Programo o closet por uma veste do meu gosto. O zoom da janela foca em partes da cidade ao meu comando. Você precisa apenas sussurrar o tipo de comida de um cardápio gigantesco num bocal e ela aparece, quente e úmida, ante a você em menos de um minuto. Ando ao redor do quarto comendo fígado de ganso e um pão inchado até que há uma batida na porta. Effie está me chamando para jantar.
Bom, estou faminta.
Peeta, Cinna, e Portia estão de pé em um balcão que tem vista panorâmica do Capitol quando nós entramos no salão de janta. Estou satisfeita por ver os estilistas, particularmente depois de eu escutar que Haymitch se juntará a nós. Uma refeição presidida apenas por Effie e Haymitch é obrigada a ser um desastre. Além disso, jantar não é exatamente sobre comida, é sobre planejar nossas estratégias, e Cinna e Portia já têm provado o quão valorosos eles são.
Um jovem vestido em uma túnica branca nos oferece todos os cálices de vinho. Penso sobre derramá-lo, mas eu nunca tinha tido vinho, exceto a coisa feita em casa que minha mãe usava para tosse, e quando vou conseguir a chance de experimentá-lo de novo? Eu tomo um trago do líquido seco e ácido e secretamente penso que isso poderia ser melhorado com algumas colheres de mel.
Haymitch só aparece quando o jantar começa a ser servido. Parece como se ele tivesse seu próprio estilista porque ele está limpo e tratado e mais sóbrio do que jamais eu o tinha visto. Ele não recusa a oferta de vinho, mas quando ele começa a tomar sua sopa, percebo que essa é a primeira vez que eu o tinha visto comer. Talvez ele realmente se esforce para nos ajudar.
Cinna e Portia parecem ter um efeito civilizador em Haymitch e Effie. Ao menos eles estão se dirigindo um ao outro de maneira decente. E ambos são nada além de elogios para o ato de abertura dos nossos estilistas. Enquanto eles fazem conversa fiada, concentro-me na refeição. Sopa de cogumelos, verduras amargas com tomates do tamanho de ervilhas, rosbife em fatias finas como papel, macarrão com molho verde, o queijo que derrete na sua língua servido com doce de uvas azul. Os servidores, todos pessoas jovens vestidas em túnicas brancas como aquele que nos deu vinho, movem-se silenciosamente de lá para cá da mesa, mantendo nossos pratos e taças cheias.
A cerca de metade da minha taça de vinho minha cabeça começa a ficar enevoada, então mudo para água. Não gosto da sensação e espero que vá embora logo. Como Haymitch pode suportar ficar andando por aí assim a toda hora é um mistério.
Tento me focar na conversa, que tem se direcionado à nossas vestes da entrevista, quando uma garota coloca um glorioso bolo na mesa e habilmente o acende. Ela inflama e então as chamas vacilam ao redor das beiras por um momento até finalmente acabar. Tenho um momento de dúvida. “O que faz queimar? É álcool?” digo, olhando para a garota. “Essa é a última coisa que eu que – oh! Eu te conheço!”
Eu não posso dizer o nome ou tempo para o rosto da garota. Mas estou certa. O cabelo vermelho escuro, as feições impressionantes, a pele branca de porcelana. Mas mesmo que eu diga as palavras, sinto meu interior se contraindo de ansiedade e culpa a visão dela, e enquanto eu não posso lembrar, sei que alguma memória ruim está associada a ela. A expressão de terror que cruza em seu rosto apenas aumenta minha confusão e intranqüilidade. Ela balança seu rosto em negação rapidamente e rapidamente se afasta da mesa.
Quando olho para trás, os quatro adultos estão me assistindo como gaviões.
“Não seja ridícula, Katniss. Como seria possível você conhecer uma Avox?” repreende Effie. “Só em imaginação.”
“O que é um Avox?” pergunto estupidamente.
“Alguém que cometeu um crime. Eles cortam sua língua, assim ela não pode falar,” diz Haymitch. “Ela provavelmente é uma traidora de algum tipo. Não tem como você conhecê-la.”
“E mesmo se conhecesse, você não é para falar com nenhum deles a não ser para dar uma ordem,” diz Effie. “É claro, você de fato não a conhece.”
Mas eu realmente a conheço. E agora que Haymitch tem mencionado a palavra traidor eu lembro de onde. A desaprovação é tão alta que eu nunca podia admitir. “Não, acho que não, eu só –” eu gaguejo, e o vinho não está ajudando.
Peeta estala seus dedos. “Delly Cartwright. Isso é que é. Continuei pensando que ela parecia familiar também. Então percebo que ela é desanimada demais para Delly.”
Dellu Cartwright é uma garota boba de rosto pálido, com um cabelo amarelado, que parece tão servil para conosco quanto um besouro para uma borboleta. Ela pode também ser a pessoa mais amigável do planeta – sorri constantemente para todo mundo na escola, até para mim. Eu nunca tinha visto a garota de cabelos vermelhos sorrir. Mas eu agarrei a sugestão de Peeta agradecida. “É claro, era essa em quem eu estava pensando. Deve ser pelo cabelo,” digo.
“Algo sobre os olhos, também,” diz Peeta.
A energia a mesa relaxa. “Oh, bem. Se isso é tudo,” diz Cinna. “E sim, o bolo tem bebida alcoólica, mas todo o álcool tem queimado. Eu o pedi especialmente em honra da sua estréia brilhante.”
Nós comemos o bolo e entramos na sala de estar para assistir o replay das cerimônias de abertura que está sendo transmitido. Umas poucas outras duplas fazem uma boa impressão, mas nenhuma delas é capaz de medir-se a nós. Mesmo nosso próprio partido solta um “Ahh” enquanto eles nos mostram saindo do Centro de Remodelagem.
“De quem foi a idéia de segurar as mãos?” pergunta Haymitch.
“Cinna,” diz Portia.
“Só um perfeito toque de rebelião,” diz Haymitch. “Muito bom.”
Rebelião? Eu tenho que pensar sobre isso por um momento. Mas quando lembro das outras duplas, permanecendo rigidamente distante, nunca tocando ou reconhecendo o outro, como se seus tributos companheiros não existissem, como se os Games já tivessem começado, eu sei o que Haymitch quer dizer. Apresentando-nos não como adversários, mas como amigos, tem nos distinguido tanto quanto os trajes ardentes.
“Amanhã de manhã é a primeira seção de treinamento. Encontrem-me no café da manhã e direi a você exatamente como eu quero que vocês joguem,” diz Haymitch para Peeta e eu. “Agora vão dormir um pouco enquanto os crescidos conversam.”
Peeta e eu andamos juntos pelo corredor para nossos quartos. Quando nós chegamos à minha porta, ele se inclina contra a estrutura, não bloqueando minha entrada exatamente, mas insistindo para eu prestar atenção nele. “Então, Dally Cartwright. Imagine encontrar sua sósia aqui.”
Ele está pedindo por uma explicação, e estou tentada a dar uma a ele. Ambos sabemos que ele me deu cobertura. Assim aqui estou eu, em débito com ele de novo. Se disser a ele a verdade, de alguma forma coisas podem aparecer. Como isso pode machucar realmente? Mesmo se ele repetiu a história, não podia fazer a mim nenhum dano. Era apenas algo que eu testemunhei. E ele mentiu tanto quando eu sobre Delly Cartwright.
Percebo que quero muito conversar com alguém sobre essa garota. Alguém que possa ser capaz de me ajudar a compreender sua história.
Gale seria minha primeira escolha, mas é improvável que eu veja Gale novamente. Tento imaginar se dizer a Peeta pode dar a ele alguma possível vantagem sobre mim, mas não vejo como. Talvez dividir um segredo o fará acreditar que eu o vejo como amigo, na verdade.
Além disso, a idéia da garota com sua língua mutilada me assusta. Ela me lembre porque eu estou aqui. Não para pousar com trajes berrantes e comer coisas gostosas. Mas para ter uma morte sangrenta, enquanto a multidão encoraja meu assassinato.
Dizer ou não dizer? Meu cérebro ainda está devagar do vinho. Olho para o corredor vazio como se a decisão estivesse ali.
Peeta capta minha hesitação. “Você já esteve no telhado?” Eu balanço minha cabeça. “Cinna me mostrou. Você pode praticamente ver toda a cidade. O vento é um pouco barulhento, entretanto.”
Eu traduzo isso como “Ninguém poderá nos ouvir conversar” na minha cabeça. Você tem a sensação de que poderíamos estar sob vigilância aqui. “Nós podemos apenas subir?”
“Claro, venha,” diz Peeta. Sigo-o para um lance de escadaria que vai ao telhado. Há um pequeno cômodo em forma de cúpula com uma porta para fora. Quando pisamos dentro do ar da noite fresco e ventoso, eu seguro meu fôlego pela vista. O Capitol cintila como um vasto campo de vaga-lumes. Eletricidade no Distrito 12 vinha e ia, usualmente nós só a tínhamos por poucas horas por dia. Freqüentemente as noites são passadas a luz de velas. A única hora que você pode contar com ela é quando eles estão exibindo os Games ou alguma mensagem importante do governo na televisão, que é obrigatório assistir. Mas aqui não existiria carência. Nunca. Peeta e eu andamos para o parapeito nos limites do telhado. Eu olho para baixo ao lado do edifício para a rua, que está zunindo de gente. Você pode ouvir seus carros, um berro ocasional, e um estranho toque metálico. No Distrito 12, nós todos estaríamos pensando na cama agora.
“Perguntei a Cinna porque eles nos deixam subir aqui. Eles não estavam preocupados que algum dos tributos possa decidir pular pelo lado?” diz Peeta.
“O que ele disse?” Pergunto.
“Você não pode,” diz Peeta. Ele levanta sua mão num espaço aparentemente. Há um zumbido afiado e ele puxa a mão de volta. “Algum tipo de campo elétrico te joga de volta ao telhado.”
“Sempre preocupados com a nossa segurança,” digo. Embora Cinna tenha mostrado a Peeta o telhado, pergunto-me se não deveríamos estar aqui em cima agora, tão tarde e sozinhos. Eu nunca tinha visto tributos no telhado do Centro de Treinamento antes. Mas isso não significa que nós não estamos sendo gravados. “Você acha que eles estão nos assistindo agora?”
“Talvez,” ele admite. “Venha ver o jardim.”
Do outro lado da cúpula eles construíram um jardim com canteiros de flores e árvores em vasos. Nos ramos estão pendurados centenas de sinos de vento, que contam pelo tinido que eu ouvi. Aqui no jardim, na noite ventosa, é o suficiente para abafar duas pessoas que estão tentando não ser ouvidas. Peeta olha para mim com expectativa.
Eu finjo examinar uma flor. “Nós estávamos caçando na floresta um dia. Escondidos, esperando pela caça,” eu sussurro.
“Você e seu pai?” ele sussurra de volta.
“Não, meu amigo Gale. Repentinamente todos os pássaros pararam de cantar de uma vez. Exceto um. Era como se ele estivesse nos dando uma chamada de alerta. E então nós a vimos. Tenho certeza que era a mesma garota. Um garoto estava com ela. Suas roupas estavam esfarrapadas. Eles tinham círculos escuros sob seus olhos de falta de sono. Eles estavam correndo como se suas vidas dependessem disso,” eu digo.
Por um momento eu fico em silêncio, enquanto lembro como a visão desse estranho par, claramente não do Distrito 12, correndo através da floresta nos imobilizou. Depois, nós nos perguntamos se nós podíamos tê-los ajudado a escapar. Talvez pudéssemos ter. Ocultá-los. Se nós tivéssemos nos movido rapidamente. Gale e eu estávamos tomados pela surpresa, sim, mas ambos somos caçadores. Sabemos como animais parecem aflitos. Sabíamos que o par estava em problemas tão logo que nós os vimos. Mas apenas assistimos.
“O aero barco apareceu do nada,” eu continuei para Peeta. “Quero dizer, em um momento o céu estava vazio e no outro lá estava ele. Não fez nenhum som, mas eles o viram. Uma rede caiu em cima da garota e a carregou para cima, rápido, tão rápido como um elevador. Eles atiraram algum tipo de arpão através do garoto. Estava amarrado a um cabo e eles o prenderam e o subiram também. Mas eu estava certa que ele estava morto. Nós escutamos a
garota gritar uma vez. O nome do garoto, eu acho. Então ele se foi, o aero barco. Sumiu no ar. E os pássaros começaram a cantar de novo, como se nada tivesse acontecido.”
“Eles viram vocês?” Peeta perguntou.
“Eu não sei. Estávamos sob uma rocha,” eu replico.
Mas eu sei. Houve um momento, depois da chamada do pássaro, mas antes do aero barco, que a garota tinha-nos visto. Ela olhou para mim e gritou por ajuda. Mas nem Gale ou eu tínhamos respondido.
“Você está tremendo,” diz Peeta.
O vento e a história tinha acabado com todo o calor do meu corpo. O grito da garota. Tinha sido o último?
Peeta tira sua jaqueta e a coloca ao redor dos meus ombros. Eu começo a recuar, mas então eu o deixo, decidindo por um momento aceitar ambos sua jaqueta e sua gentileza. Um amigo faria isso, certo?
“Eles eram daqui?” ele pergunta, e fecha um botão no meu pescoço.
Eu assinto. Eles tinham aquela aparência de Capitol neles. O garoto e a garota.
“Para onde você acha que eles estavam indo?” ele pergunta.
“Eu não sei isso,” digo. Distrito 12 é muito como o fim da linha. Além de nós, há apenas a imensidão. Se você não contar com as ruínas do Distrito 13 que ainda arde lentamente das bombas tóxicas. Eles mostram na televisão ocasionalmente, só para nos lembrar. “Ou porque eles partiriam daqui.” Haymitch tinha chamado os Avoxes de traidores. Contra o quê? Só poderia ser o Capitol. Mas eles tinham tudo aqui. Sem causa para rebeldia.
“Eu partiria daqui,” Peeta deixa escapar. Então ele olha ao redor nervosamente. Foi alto o bastante escutar acima dos sinos. “Eu iria para casa agora se eles me deixassem. Mas você tem que admitir, a comida é de primeira.”
Ele está protegido novamente. Se aquilo é tudo que você escutaria só iria parecer palavras de um tributo assustado, mas de alguém contemplando a inquestionável bondade do Capitol.
“Está ficando frio. É melhor entrarmos,” ele diz. Dentro da cúpula, é quente e luminoso. Seu tom é Leve. “Seu amigo Gale. Ele é o que levou a sua irmã da colheita?”
“Sim. Você o conhece?” pergunto.
“Não realmente. Eu ouvi que as garotas falam muito sobre ele. Achei que ele fosse seu primo ou algo. Vocês ajudam um ao outro,” ele diz.
“Não, nós não somos parentes,” digo.
Peeta acena, ilegível. “Ele veio dizer adeus para você?”
“Sim,” eu digo, observando-o cuidadosamente. “E seu pai também. Ele me trouxe biscoitos.”
Peeta levanta suas sobrancelhas como se fosse novidade. Mas depois de vê-lo mentindo tão facilmente, eu não dou muito crédito. “Verdade? Bem, ele gosta de você e da sua irmã. Acho que ele queria ter tido uma filha em vez de uma casa cheia de garotos.”
A idéia de que eu poderia ter sido discutida, na mesa de janta, no fogo da padaria, apenas de passagem na casa de Peeta me dá um sobressalto. Deveria ter sido quando a mãe estava fora do cômodo.
“Ele conhecia sua mãe quando eles eram crianças,” diz Peeta.
Outra surpresa. Mas provavelmente verdade. “Oh, sim. Ela cresceu na cidade,” eu digo. Não parece ser educado dizer que ela nunca mencionou o padeiro exceto para elogiar o seu pão.
Nós estamos na minha porta. Eu devolvo a jaqueta dele. “Vejo você de manhã, então.”
“Até,” ele diz, e anda pelo corredor.
Quando abro minha porta, a garota de cabelo vermelho está recolhendo meu macacão colado e minhas botas de onde eu os deixei no chão antes do banho. Eu quero me desculpar por possivelmente colocá-la em problemas mais cedo. Mas eu lembro que não é para eu falar com ela a menos para dar uma ordem.
“Oh, desculpe,” digo. “Eu deveria ter devolvido isso para Cinna. Desculpe. Você pode levá-los para ele?”
Ela foge dos meus olhos, dá um pequeno aceno, e segue para porta.
Eu começaria a dizer a ela que eu sinto muito pelo jantar. Mas sei que minhas desculpas ficariam mais profundas. Que eu estava envergonhada por nunca ter tentado ajudá-la na floresta. Que eu deixei o Capitol matar o garoto e mutilá-la sem levantar o dedo.
Justo como eu era assistindo os Games.
Eu chuto meus sapatos e subo sob os cobertores em minhas roupas. O tremor não parou. Talvez a garota nem se lembre de mim. Mas eu sei que ela lembra. Você não esquece a face da pessoa que era sua última esperança. Eu puxei os cobertores acima da minha cabeça como se isso fosse me proteger da garota de cabelos vermelhos que não pode falar. Mas eu posso sentir seus olhos me assistindo, perfurando através das paredes e portas e cobertas.
Pergunto-me se ela gostará de me assistir morrer. 
 
 
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Meu repouso é cheio de sonhos perturbadores. O rosto da garota ruiva entrelaça-se com imagens ensanguentadas de Hunger Games anteriores, com a minha mãe longe e inalcançável, com a magreza e o terror de Prim. Eu me levanto gritando por meu pai correr enquanto a mina explode em milhões de pedacinhos mortíferos de luz.
O sol está nascendo pelas janelas. O Capitol tem um ar nebuloso e assombrado. Minha cabeça dói e eu devo ter mordido a lateral da minha bochecha de noite. Minha língua investiga a carne áspera e eu sinto gosto de sangue. 
Lentamente, eu me arrasto para fora da cama e para o chuveiro. Eu arbitrariamente soco botões no painel de controle e acabo pulando de pé em pé enquanto jatos alternados de água gélida e pelando de quente me acertam. Então eu sou inundada em espuma de limão que eu tenho que retirar com uma forte escova eriçada. Ah, bem. Pelo menos meu sangue está fluindo.
Agora que estou seca e hidratada com loção, eu acho uma veste que foi deixada para mim na frente do armário. Calça preta apertada, uma túnica cor de vinho de mangas longas, e sapatos de couro. Eu deixo meu cabelo em uma trança única pelas minhas costas. Essa é a primeira vez desde a manhã da colheita que eu pareço comigo mesma. Nada de cabelo e roupas chiques, nada de capas flutuantes. Simplesmente eu. Parecendo como se eu pudesse estar indo para a floresta. Isso me acalma.
Haymitch não nos deu um tempo exato para nos encontrar para o café da manhã e ninguém me contatou essa manhã, mas eu estou com tanta fome que eu me dirigi para a sala de jantar, esperando que tenha comida. Não fico decepcionada. Enquanto a mesa está vazia, em uma comprida tábua do lado foram colocados pelo menos vinte pratos. Um jovem, um Avox, está de pé por perto prestando atenção. Quando eu pergunto se posso me servir, ele concorda assentindo. Eu sirvo um prato com ovos, salsichas, panquecas cobertas com compotas de laranjas grossas, fatias de melão roxo claro. Enquanto eu me empanturro, eu observo o sol nascer por Capitol. Eu pego um segundo prato de grãos quentes encobertos por cozido de bife. Finalmente, eu encho um prato com pãezinhos e sento na mesa, quebrando pedacinhos untados e mergulhando-os em chocolate quente, do jeito que Peeta fizera no trem.
Minha mente vaga até minha mãe e Prim. Elas devem estar acordadas. Minha mãe preparando o mingau do café da manhã delas. Prim ordenhando sua cabra antes da escola. Há apenas duas manhãs, eu estava em casa. Isso podia estar certo? Sim, só duas. E agora como a casa parecia vazia, mesmo a distância. O que elas disseram ontem a noite após a minha estréia poderosa nos Games? Isso lhes deu esperança, ou simplesmente somou ao seu horror, quando elas viram a realidade de vinte e quatro tributos circulados juntos, sabendo que apenas um poderia viver?
Haymitch e Peeta entram, desejam-me bom dia, enchem seus pratos. Me deixa irritada Peeta estar usando exatamente a mesma veste que eu. Eu preciso dizer algo para Cinna. Essa atuação de gêmeos vai explodir nas nossas caras assim que os Games começarem. Claro, eles devem saber disso. Então eu me lembro de Haymitch me dizendo para fazer exatamente o que os estilistas me dizem para fazer. Se fosse qualquer outro que não Cinna, eu poderia ter tentado ignorá-lo. Mas após o triunfo da noite passada, eu não tenho muito espaço para criticar as escolhas dele.
Eu estou nervosa quanto ao treinamento. Haverá três dias nos quais todos os tributos praticam juntos. Na última tarde, cada um terá uma chance de se apresentar em particular perante os Gamemakers*. Pensar em conhecer os outros tributos cara-a-cara me deixa enjoada. Eu viro o pãozinho que eu acabei de pegar da cesta continuamente em minhas mãos, mas meu apetite se foi.
Quando Haymitch termina diversos pratos de cozido, ele empurra seu prato com um suspiro. Ele tira um frasco de seu bolso e dá uma longa tragada nela e inclina seus cotovelos na mesa. “Então, vamos direto aos negócios. Treinamento. Primeiro de tudo, se preferirem, eu os treinarei separadamente. Decidam agora.”
“Por que você nos treinaria separadamente?” Eu pergunto.
“Digamos que você tenha uma habilidade secreta que talvez não queira que o outro saiba,” diz Haymitch.
Eu troco um olhar com Peeta. “Eu não tenho nenhuma habilidade secreta,” ele diz. “E eu já sei qual a sua é, certo? Quero dizer, já comi bastante esquilos seus.”
Eu nunca tinha pensado em Peeta comendo os esquilos que eu tinha matado. De algum modo, eu sempre imaginei o padeiro se afastando silenciosamente e fritando-os para si. Não de gula. Mas porque famílias da cidade geralmente comem carne de açougue caras. Bife e frango e cavalo.
“Pode nos treinar juntos,” eu digo a Haymitch. Peeta concorda.
“Tudo bem, então me dêem uma ideia do que conseguem fazer,” diz Haymitch.
“Eu não consigo fazer nada,” diz Peeta. “A não ser que conta assar pão.”
“Desculpa, não conta. Katniss. Já sei que é habilidosa com uma faca,” diz Haymitch.
“Na verdade não. Mas consigo caçar,” eu digo. “Com arco e flecha.”
“E você é boa?” pergunta Haymitch.
* Ao pé da letra, seria algo como "criadores/fazedores de jogo".
Eu tenho que pensar nisso. Eu vinha colocando comida na mesa por quatro anos. Isso não é uma tarefa pequena. Eu não sou tão boa quanto meu pai era, mas ele tinha tido mais treino.
Eu tinha mira melhor do que Gale, mas eu tinha tido mais treino. Ele é um gênio com armadilhas e ciladas. “Eu sou mais ou menos,” eu digo.
“Ela é excelente," diz Peeta. “Meu pai compra os esquilos dela. Ele sempre comenta como as flechas nunca penetram o corpo. Ele acerta todos no olho. É o mesmo com os coelhos que ela vende ao açougueiro. Ela consegue até mesmo derrubar veados.”
Essa avaliação do Peeta das minhas habilidades me toma por completo de surpresa. Primeiro, que ele tenha notado. Segundo, que ele está me promovendo. “O que você está fazendo?” Eu pergunto a ele em suspeita.
“O que você está fazendo? Se ele vai nos ajudar, ele tem que saber do que você é capaz. Não se subestime,” diz Peeta.
Eu não sei por que, mas isso não me desce bem. “E quanto a você? Eu te vi no mercado. Você consegue levantar sacos de farinha de quarenta e cinco quilos,” eu retruco para ele. “Diga isso a ele. Isso não é nada.”
“Sim, e estou certo de que a arena estará cheia de sacos de farinha para mim atirar nas pessoas. Não é como ser capaz de usar uma arma. Você sabe que não é,” ele atira de volta.
“Ele consegue lutar,” eu digo a Haymitch. “Ele ficou em segundo na competição da nossa escola ano passado, depois só do seu irmão.”
“Qual o uso disso? Quantas vezes você viu alguém lutar com outro até a morte?” diz Peeta com nojo.
“Há sempre combate corpo-a-corpo. Tudo o que você precisa é arranjar uma faca, e você pelo menos terá uma chance. Se eu for surpresa, estou morta!” Eu consigo ouvir minha voz subindo de raiva.
“Mas você não será surpresa! Você estará vivendo em alguma árvore comendo esquilos crus e alvejando as pessoas com flechas. Você sabe o que a minha mãe disse para mim quando ela veio dizer adeus, como se para me animar, ela diz que talvez o Distrito Doze finalmente tenha um campeão. Então eu percebi, ela não quis dizer eu, ela quis dizer você!" esbraveja Peeta.
“Ah, ela quis dizer você,” eu digo com um aceno de rejeição.
“Ela disse, ‘Ela é uma sobrevivente, aquela.’ Ela é,” diz Peeta.
Isso me faz parar abruptamente. A mãe dele realmente disse isso de mim? Ela me julgava acima de seu filho? Eu vejo a dor nos olhos de Peeta e sei que ele não está mentindo.
De repente eu estou atrás da padaria e eu consigo sentir o frio da chuva escorrendo pelas minhas costas, o vazio da minha barriga. Eu sôo como se tivesse onze anos quando eu digo. “Mas só porque alguém me ajudou.”
Os olhos de Peeta rolam para o pãozinho nas minhas mãos, e eu sei que ele se lembra daquele dia também. Mas ele só dá de ombros. “As pessoas irão te ajudar na arena. Elas estarão se estapeando para patrocinar você."
“Não mais do que para patrocinar você,” eu digo.
Peeta gira seus olhos para Haymitch. “Ela não faz ideia. Do efeito que ela pode ter.” Ele corre suas unhas pelo grão de madeira na mesa, se recusando a olhar para mim.
O que diabos ele quer dizer? Pessoas irão me ajudar? Quando estávamos morrendo de fome, ninguém me ajudou! Ninguém exceto Peeta. Uma vez que eu tinha algo pelo qual fazer escambo, as coisas mudaram. Eu sou uma comerciante durona. Sou? Que efeito eu tenho? Que eu sou fraca e necessitada? Ele está sugerindo que eu consigo bons negócios porque as pessoas tem pena de mim? Eu tento pensar se isso é verdade. Talvez alguns dos mercadores fossem um pouco generosos em suas trocas, mas eu sempre atribui isso a seus relacionamentos de longa duração com meu pai. Além do mais, minha caça é de primeira qualidade. Ninguém tinha pena de mim!
Eu olho feio para o pãozinho, certa de que ele quis me insultar.
Após talvez um minuto disso, Haymitch diz, “Bom, então. Bom, bom, bom. Katniss, não há garantias de que haverá arcos e flechas na arena, mas durante sua sessão particular com os Gamemakers, mostre a eles o que sabe fazer. Até lá, fique longe do arqueirismo. Você é boa em armadilhas?”
“Eu conheço algumas ciladas básicas,” eu murmuro.
“Isso pode ser significante em termos de comida,” diz Haymitch. “E Peeta, ela está certa, nunca subestime força na arena. Muito freqüentemente, força física dá vantagem para um jogador. No Centro de Treinamento, eles terão pesos, mas não revele quanto você consegue levantar na frente dos outros tributos. O plano é o mesmo para ambos. Vocês vão para o treinamento em grupo. Passem o dia tentando aprender algo que não saibam. Jogar uma lança. Girar um cetro. Aprender a dar um nó decente. Guardem mostrar o que sabem melhor até suas sessões particulares. Estamos entendidos?” diz Haymitch. Peeta e eu concordamos.
“Uma última coisa. Em público, eu quero vocês ao lado do outro toda hora,” diz Haymitch. Ambos começamos a nos opor, mas Haymitch bate sua mão na mesa. “Toda hora! Não está aberto a discussão! Vocês concordaram em fazer o que eu disser! Vocês ficarão juntos, vocês parecerão amáveis um com o outro. Agora caiam fora. Encontrem Effie no elevador às dez para o treinamento.”
Eu mordo meu lábio e ando altivamente de volta para meu quarto, certificando-me de que Peeta consiga ouvir a porta bater. Eu sento na cama, odiando Haymitch, odiando Peeta, odiando a mim mesma por mencionar aquele dia há tanto tempo na chuva.
É uma piada! Peeta e eu concordando em fingir que somos amigos! Promovendo as forças um do outro, insistindo que o outro receba crédito por suas habilidades. Porque, de fato, em algum ponto, teremos que parar com isso e aceitar que somos adversários ferozes. O que eu estaria preparada para fazer agora mesmo se não fosse pela estúpida instrução do Haymitch de que ficássemos juntos no treinamento. É minha própria culpa, eu suponho, dizendo a ele que ele não tinha que nos treinar separadamente. Mas isso não significava que eu queria fazer tudo com o Peeta. Que, a propósito, claramente não quer ficar de parceria comigo, tampouco.
Eu ouço a voz de Peeta em minha cabeça. Ela não faz ideia. Do efeito que ela pode ter. Obviamente dito para me depreciar. Certo? mas uma pequenina parte de mim se pergunta se isso foi um elogio. Que ele quis dizer que eu era cativante de alguma maneira. Era estranho, o quanto ele tinha me notado. Como a atenção que ele tinha prestado a minha caçada. E aparentemente, eu não estive alheia a ele como eu imaginava, tampouco. A farinha. A luta. Eu tinha ficado de olho no garoto do pão.
São quase dez horas. Eu escovo meus dentes e penteio meu cabelo novamente. A raiva temporariamente bloqueada por causa do meu nervosismo em conhecer os outro tributos, mas agora eu consigo sentir minha ansiedade crescendo novamente. Na hora em que eu
encontro Effie e Peeta no elevador, eu me pego roendo minhas unhas. Eu paro imediatamente.
As salas de treinamento ficam abaixo do nível térreo do nosso prédio. Com esses elevadores, a corrida é menos de um minuto. As portas são abertas para um enorme ginásio cheio de várias armas e caminhos de obstáculos. Apesar de não serem dez horas ainda, nós somos os últimos a chegar. Os outros tributos estão reunidos em um círculo tenso. Cada um tem um pedaço quadrado de pano com o número de seu distrito preso com alfinetes em suas camisetas. Enquanto alguém alfineta o número 12 nas minhas costas, eu faço uma rápida avaliação. Peeta e eu somos os únicos vestidos iguais.
Assim que nos juntamos ao círculo, a treinadora principal, uma mulher alta e atlética chamada Atala vai à frente e começa a explicar o cronograma de treinamento. Especialistas de cada habilidade vão ficar em suas estações. Ficaremos livres para viajar de área para área conforme desejarmos, conforme as instruções de nossos mentores. Algumas das estações ensinam técnicas de sobrevivências, outras técnicas de luta. Estamos proibidos de nos envolver em qualquer exercício de combate com outro tributo. Há assistentes por perto se quisermos praticar com um parceiro.
Quando Atala começa a ler a lista de estações de habilidades, meus olhos não conseguem evitar esvoaçar para os outros tributos. É a primeira vez que estamos reunidos, nos mesmos termos, com roupas simples. Meu coração afunda. Quase todos os garotos e pelo menos metade das garotas são maiores do que eu, apesar de muitos dos tributos nunca terem sido alimentados apropriadamente. Você consegue ver isso em seus ossos, em suas peles, no olhar vazio em seus olhos. Eu posso ser menos naturalmente, mas de modo geral as habilidades da minha família tinham me dado uma vantagem nessa área. Eu fico de pé reta, e embora eu seja magra, eu sou forte. A carne e as plantas da floresta combinadas com o esforço que foi preciso para consegui-los me deram um corpo mais saudável do que a maioria que eu vejo por aqui.
As exceções são os garotos dos distritos mais ricos, os voluntários, aqueles que foram alimentados e treinados por toda a sua vida para esse momento. Os tributos do 1, 2 e 4 tradicionalmente tem esse aspecto neles. É tecnicamente contra as regras treinar tributos antes que eles cheguem no Capitol, mas acontece todo ano. No Distrito 12, nós os chamamos de Tributos Profissionais, ou simplesmente os Profissionais. E goste ou não, o campeão será um deles.
A ligeira vantagem que eu tenho no Centro de Treinamento, minha entrada feroz ontem a noite, parece sumir na presença da minha competição. Os outros tributos tinham inveja de nós, mas não porque éramos sensacionais, porque os nossos estilistas eram. Agora eu não vejo nada além de desprezo nos olhares dos Tributos Profissionais. Cada um deve ter de vinte e dois a quarenta e cinco quilos a mais que eu. Eles projetam arrogância e brutalidade. Quando Atala nos libera, eles se dirigem diretamente para as armas com aspecto mais mortífero no ginásio e as manuseiam com facilidade.
Eu estou pensando que é uma sorte eu ser uma rápida corredora quando Peeta cutuca o meu braço e eu pulo. Ele ainda está ao meu lado, de acordo com as instruções de Haymitch. Sua expressão está sóbria. “Onde gostaria de começar?”
Eu olho ao redor para os Tributos Profissionais que estão se exibindo, claramente tentando intimidar o campo. Então para os outros, os subnutridos, os incompetentes, tremulamente tendo suas primeiras lições com uma faca ou um machado.
“Suponho que devamos dar alguns nós,” eu digo.
“Está certíssima,” diz Peeta. Cruzamos para uma estação vazia onde o treinador parece satisfeito por ter alunos. Você tem o pressentimento de que a aula de atar nós não é o ponto quente do Hunger Games. Quando ele percebe que eu sei um pouco sobre ciladas, ele nos mostra uma armadilha simples e excelente que deixará um competidor humano pendurado por uma perna em uma árvore. Nós nos concentramos nessa habilidade por uma hora até ambos termos dominado-a. Então mudamos para camuflagem. Peeta genuinamente parece gostar dessa estação, espalhando uma combinação de lama e argila e suco de baga ao redor da
sua pele pálida, tecendo disfarces de vinhas e folhas. O treinador que comanda a estação de camuflagem está cheio de entusiasmo por seu trabalho.
“Eu faço os bolos,” ele admite para mim.
“Os bolos?” eu pergunto. Eu estivera preocupada em observar o garoto do Distrito 2 mandar uma lança pelo coração de um boneco de treze metros. “Que bolos?”
“Em casa. Os de pasta americana, para a padaria,” ele diz. 
Ele quer dizer aqueles que eles colocam nas janelas. Bolos chiques com flores e coisas bonitas pintadas com crosta de açúcar cristalizada. Eles são para aniversários e Réveillons. Quando estamos na praça, Prim sempre me arrasta para admirá-los, apesar de nunca sermos capazes de comprar um. Há pouca beleza no Distrito 12, contudo, então eu não consigo negar isso a ela.
Eu olho mais criticamente para o desenho no braço do Peeta. O padrão alternado de luz e escuridão sugerem a luz solar caindo por sobre as folhas na floresta. Eu me pergunto como ele conhece isso, já que eu duvido que ele já esteve além da cerca. Ele fora capaz de aprender isso só com aquela velha macieira magricela em seu quintal? De algum modo o negócio todo – sua habilidade, aqueles bolos inacessíveis, o elogio do especialista em camuflagem – me irritam.
“É adorável. Se ao menos você pudesse cobrir alguém de açúcar cristalizado até a morte,” eu digo.
“Não seja tão superior. Nunca se pode supor o que você encontrará na arena. Digamos que é realmente um bolo gigante –” começa Peeta.
“Digamos que vamos para o próximo assunto,” eu interrompo.
Então os próximos três dias passam com Peeta e eu indo silenciosamente de estação para estação. Nós realmente aprendemos algumas habilidades valiosas, de acender fogueiras, até atirar facas, até fazer abrigos. Apesar da ordem de Haymitch de aparecer medíocre, Peeta se sobressai em combate corpo-a-corpo, e eu arraso no teste de plantas comestíveis sem piscar um olho. Nós ficamos longe de arqueirismo e levantamento de peso, contudo, querendo guardar esses para as nossas sessões particulares.
Os Gamekeepers aparecem cedo no primeiro dia. Mais ou menos vinte homens e mulheres vestidos em robes roxos escuros. Eles se sentam em estrados elevados que cercam o ginásio, as vezes perambulando nos arredores para nos observar, rabiscando anotações, outras vezes comendo no banquete infinito que foi preparado para eles, ignorando-nos. Mas eles realmente parecem estar de olho nos tributos do Distrito 12. Várias vezes eu olhei para cima e descobri um fixo em mim. Eles se consultam com os treinadores durante as nossas refeições, também. Nós vemos eles todos reunidos juntos quando voltamos.
O café da manhã e o jantar são servidos no chão, mas no almoço, nós vinte e quatro comemos em uma sala de jantar fora do ginásio. A comida é arrumada em carrinhos ao redor da sala e você se serve. Os Tributos Profissionais tendem a se reunir brutalmente ao redor de uma mesa, como se para provar sua superioridade, que eles não tem medo um do outro e consideram o resto de nós indignos de sermos notados. A maioria dos outros tributos senta sozinho, como ovelhas perdidas. Ninguém diz uma palavra para nós. Peeta e eu comemos junto, e já que Haymitch fica nos evitando sobre isso, tentamos manter uma conversa amigável durante as refeições.
Não é fácil achar um tópico. Falar de casa é doloroso. Falar do presente é insuportável. Um dia, Peeta esvazia nossa cesta de pães e aponta como eles foram cuidadosos em incluir os tipos dos distritos junto com o pão refinado do Capitol. O pão de forma em formato de peixe pintado de verde com algas do Distrito 4. O pãozinho de lua crescente pontilhado com sementes do Distrito 11. De algum modo, apesar de ser feito do mesmo negócio, parece um bocado mais apetitoso do que as feias gotas e biscoitos que são a comida padrão em casa.
“E aí está,” diz Peeta, cavoucando os pães de volta na cesta.
“Você certamente sabe um monte,” eu digo.
“Só sobre pães," ele diz. “Está bem, agora ria como se eu tivesse dito algo engraçado.”
Ambos damos um tipo de risada convincente e ignoramos as encaradas ao redor da sala.
“Está certo, eu ficarei sorrindo alegremente e você fala,” diz Peeta. Está cansando nós dois, a instrução de Haymitch para ser amigável. Porque desde que eu bati a minha porta, há um frio no ar entre nós. Mas temos nossas ordens.
“Já te contei de quando fui perseguida por um urso?” Eu pergunto.
“Não, mas parece fascinante,” diz Peeta.
Eu tento e animo meu rosto enquanto relembro do evento, uma história verdadeira, na qual eu tolamente desafiei um urso negro sobre os direitos de uma colméia. Peeta ri e faz perguntas exatamente no momento certo. Ele é muito melhor nisso do que eu sou.
No segundo dia, enquanto estamos jogando uma lança, ele sussurra para mim. “Acho que temos uma sombra.”
Eu jogo minha lança, na qual eu não sou tão ruim, na verdade, se eu não tiver que jogar de muito longe, e vejo a garotinha do Distrito 11 de pé um pouco para trás, observando-nos. Ela é a de doze anos, aquela que me lembrou bastante de Prim na estatura. De perto ela parece ter dez. Ela tem olhos brilhantes e escuros e pele marrom acetinada e fica inclinada na ponta do pé com seus braços ligeiramente estendidos de lado, como se pronta para levantar vôo ao mais leve som. É impossível não pensar em um pássaro.
Eu pego outra lança enquanto Peeta joga. “Eu acho que o nome dela é Rue,” ele diz suavemente.
Eu mordo meu lábio. Rue é uma pequena flor amarela que cresce na Clareira. Rue. Primrose. Nenhuma das duas conseguiria fazer a balança atingir trinta e um quilos mesmo ensopadas.
“O que podemos fazer quanto a isso?” Eu pergunto a ele, mais duramente do que eu pretendia.
“Não há nada a fazer,” ele diz de volta. “Só conversando.”
Agora que eu sei que ela está ali, é difícil ignorar a criança. Ela desliza e se junta a nós em estações diferentes. Como eu, ela é esperta com plantas, escala com ligeireza, e tem boa mira. Ela consegue atingir o alvo todas as vezes com o estilingue. Mas o que é um estilingue contra um macho de 100 quilos com uma espada?
De volta no andar do Distrito 12, Haymitch e Effie nos interrogam durante o café da manhã e o jantar sobre cada momento do dia. O que fizemos, quem nos observou, como os outros tributos nos avaliam. Cinna e Portia não estão por perto, então não há ninguém para acrescentar sanidade às refeições. Não que Haymitch e Effie estejam brigando mais. Ao invés, eles parecem ser uma só mente, determinada a nos colocar em forma. Cheios de direções sem fim sobre o que devemos fazer e não fazer no treinamento. Peeta é mais paciente, mas eu fico cheia e de mal humor.
Quando finalmente escapamos para cama na segunda noite, Peeta murmura, “Alguém deveria dar uma bebida a Haymitch.”
Eu faço um som que está entre uma bufada e uma risada. Então me paro. Está mexendo muito com a minha mente, tentar ter noção de quando supostamente somos amigos e quando não somos. Pelo menos quando formos para a arena, eu saberei em que pé estamos. “Não. Não finjamos quando não há ninguém por perto.”
“Tudo bem, Katniss,” ele diz cansadamente. Depois disso, só falamos na frente das pessoas.
No terceiro dia de treinamento, eles começam a nos chamar do almoço para nossas sessões particulares com os Gamemakers. Distrito por distrito, primeiro o garoto, então a garota tributo. Como sempre, o Distrito 12 é condenado a ser o último. Nós nos tardamos na sala de jantar, não certos de onde mais ir. Ninguém volta uma vez que tenham partido. Enquanto a sala se esvazia, a pressão para parecer amigável se alivia. Na hora que chamam Rue, somos deixados sozinhos. Nós nos sentamos em silêncio até que eles evocam Peeta. Ele se levanta.
“Lembre-se o que Haymitch disse sobre ter certeza de jogar os pesos.” As palavras saem da minha boca sem permissão.
“”Obrigado. Eu irei,” ele diz. “Você... atire diretamente.” 
Eu concordo. Eu não sei por que eu disse algo. Apesar de que, se eu for perder, eu prefiro que Peeta vença do que os outros. É melhor para o nosso distrito, para minha mãe e Prim.
Após cerca de quinze minutos, eles chamam o meu nome. Eu aliso meu cabelo, coloco meus ombros para trás, e entro no ginásio. Instantaneamente, eu sei que estou encrencada. Eles estão aqui há muito tempo, os Gamemakers. Estiveram sentados por outras vinte e três demonstrações. Tomaram muito vinho, a maioria deles. Querem mais do que tudo ir para casa.
Não há nada que eu possa fazer a não ser continuar com o plano. Eu ando até a estação de arqueirismo. Ah, as armas! Eu estava louca para colocar minhas mãos nelas há dias! Arcos feitos de madeira e plástico e metal e material que eu nem mesmo sei o nome. Flechas com penas cortadas em linhas uniformes perfeitas. Eu escolho um arco, penduro-o, e amarro o coldre de flechas combinando por sobre o meu ombro. Há uma linha de tiro, mas é por demais limitada. O centro de um círculo padrão e silhuetas humanas. Eu ando até o centro do ginásio e escolho meu primeiro alvo. O boneco usado para prática de faca. Mesmo quando recuo com o arco, eu sei que algo está errado. A corda é mais apertada do que a que eu uso em casa. A flecha é mais rígida.
Eu erro o boneco por alguns poucos centímetros e perco o pouco de atenção que eu havia conseguido. Por um instante, fico humilhada, então eu me dirijo de volta para o centro do círculo. Eu atiro novamente e novamente até eu me acostumar com essas novas armas.
De volta ao centro do ginásio, eu tomo minha posição inicial e espeto o boneco bem no coração. Então eu desfaço a corda que segura o saco de areia de boxe, e o saco se abre enquanto cai com tudo no chão. Sem parar, eu rolo de ombros para frente, levanto-me com um joelho, e mando uma flecha em uma das luzes penduradas acima do chão do ginásio. Uma chuva de faíscas estoura do ornamento.
É um tiro excelente. Eu me viro para os Gamemakers. Alguns estão acenando em aprovação, mas a maioria deles está fixada em um porco assado que acabou de chegar em sua mesa do banquete.
De repente eu fico furiosa, que com a minha vida em risco, eles nem mesmo tem a decência de prestar atenção em mim. Que um porco morto está roubando a minha cena. Meu coração começa a martelar, eu consigo sentir o meu rosto queimando. Sem pensar, eu puxo uma flecha do meu coldre e mando-a diretamente para a mesa dos Gamemakers. Eu ouço gritos de amedrontamento enquanto as pessoas recuam. A flecha espeta a maçã na boca do porco e a alfineta na parede atrás dele. Todos me encaram em descrença.
“Obrigada pela sua atenção,” eu digo. Então eu dou uma ligeira saudação e ando diretamente na direção da saída sem ser dispensada. 
 

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