O Centro de Treinamento tem uma torre designada exclusivamente para os tributos e suas equipes. Ela será a nossa casa até os reais Games começarem. Cada distrito tem todo um andar. Você simplesmente entra num elevador e pressiona o número do seu distrito. Fácil o bastante para lembrar.
Eu tinha
entrado num elevador um par de vezes no Edifício da Justiça no Distrito 12. Uma
vez para receber a medalha pela morte do meu pai e depois ontem para dizer meu
adeus final para meus amigos e família. Mas aquele era uma coisa escura e que
range, que se move como uma lesma e cheira como leite azedo. As paredes deste
elevador são feitas de cristal assim você pode assistir as pessoas no andar
térreo encolhendo-se ao tamanho de formigas enquanto você sobe no ar. É
estimulante e eu sou tentada a perguntar a Effie Trinket se nós podemos andar
nele de novo, mas de alguma forma isso parece infantil.
Aparentemente,
os deveres de Effie Trinket não se concluíram na estação. Ela e Haymitch irão
nos inspecionar até a arena. De certo modo, isso é bom porque pelo menos
podemos contar com ela para nos levar aos lugares pontualmente enquanto que nós
não temos visto Haymitch desde que ele aceitou nos ajudar no trem.
Provavelmente desmaiado em algum lugar. Effie Trinket, por outro lado, parece
estar voando alto. Nós somos a primeira equipe que ele jamais escoltou que fez
um estouro nas cerimônias de abertura. Ela é amável não só pelos nossos trajes
mas como nós nos dirigimos. E, para ouvi-la dizer que ela conhece todo mundo
que é alguém em Capitol, e que tem falado de nós todo o dia, tentando ganhar
para nós patrocinadores.
“Eu tenho
sido muito misteriosa, entretanto,” ela diz, seus olhos oblíquos meio fechados.
“Porque, é claro, Haymitch não se preocupou em me dizer suas estratégias. Mas
eu tenho feito o meu melhor com o que eu tenho que trabalhar. Como Katniss se
sacrificou por sua irmã. Como ambos vocês lutaram com sucesso para superar a
barbaridade do distrito de vocês.”
Barbaridade?
Isso é irônico vindo de uma mulher ajudando a nos preparar para um massacre. E
em quê ela está baseando o nosso sucesso? Nossas maneiras na mesa?
“Todo
mundo tem suas reservas, naturalmente. Vocês sendo de um distrito de carvão.
Mas eu disse, e isso foi muito esperto da minha parte, eu disse, ‘Bem, se você
colocar pressão o bastante no carvão ele se torna pérolas!’” Effie sorri para
nós de forma tão brilhante que não temos escolha a não ser responder
entusiasmadamente a sua inteligência embora esteja errada.
Carvão
não se transforma em pérolas. Elas crescem em molusco. Possivelmente ela quer
dizer que carvão se transforma em diamantes, mas então não é verdade. Eu tenho
escutado que eles têm algum tipo de máquina no Distrito 1 que pode transformar
grafite em diamantes. Mas nós não exploramos grafite no Distrito 12. Esse era o
trabalho do Distrito 13 até eles serem destruídos.
Pergunto-me
se as pessoas com as quais ela está fazendo nossa propaganda por todo dia sabem
disso ou se importam.
“Infelizmente,
não posso fechar acordos de patrocínios por vocês. Somente Haymitch pode fazer
isso,” diz Effie com raiva. “Mas não se preocupem, eu vou levá-lo à mesa na
mira se necessário.”
Embora
tenha carência em muitas áreas, Effie Trinket tem uma certa determinação que eu
tenho que admirar.
Meus
quartos são maiores que nossa casa inteira. Eles são de veludo, como no vagão
do trem, mas, além disso, tem tantas máquinas automáticas que estou certa de que
não terei tempo para apertar todos os botões. O chuveiro sozinho tem um painel
com mais de cem opções que você pode escolher regulando a temperatura da água,
pressão, sabonetes, xampus, perfumes, óleos, e esponjas para massagem. Quando
você sai em uma pequena esteira, aquecedores aparecem para secar seu corpo. Em
vez de lutar com os nós no meu cabelo molhado, meramente coloquei minha mão em
uma caixa que enviou uma corrente através do meu
escalpo, desembaraçando, partindo, e secando meu cabelo
quase instantaneamente. Ele flutua para baixo em torno dos meus ombros, numa
cortina brilhante.
Programo
o closet por uma veste do meu gosto. O zoom da janela foca em partes da cidade
ao meu comando. Você precisa apenas sussurrar o tipo de comida de um cardápio
gigantesco num bocal e ela aparece, quente e úmida, ante a você em menos de um
minuto. Ando ao redor do quarto comendo fígado de ganso e um pão inchado até
que há uma batida na porta. Effie está me chamando para jantar.
Bom,
estou faminta.
Peeta,
Cinna, e Portia estão de pé em um balcão que tem vista panorâmica do Capitol
quando nós entramos no salão de janta. Estou satisfeita por ver os estilistas,
particularmente depois de eu escutar que Haymitch se juntará a nós. Uma
refeição presidida apenas por Effie e Haymitch é obrigada a ser um desastre.
Além disso, jantar não é exatamente sobre comida, é sobre planejar nossas
estratégias, e Cinna e Portia já têm provado o quão valorosos eles são.
Um jovem
vestido em uma túnica branca nos oferece todos os cálices de vinho. Penso sobre
derramá-lo, mas eu nunca tinha tido vinho, exceto a coisa feita em casa que
minha mãe usava para tosse, e quando vou conseguir a chance de experimentá-lo
de novo? Eu tomo um trago do líquido seco e ácido e secretamente penso que isso
poderia ser melhorado com algumas colheres de mel.
Haymitch
só aparece quando o jantar começa a ser servido. Parece como se ele tivesse seu
próprio estilista porque ele está limpo e tratado e mais sóbrio do que jamais
eu o tinha visto. Ele não recusa a oferta de vinho, mas quando ele começa a
tomar sua sopa, percebo que essa é a primeira vez que eu o tinha visto comer.
Talvez ele realmente se esforce para nos ajudar.
Cinna e
Portia parecem ter um efeito civilizador em Haymitch e Effie. Ao menos eles
estão se dirigindo um ao outro de maneira decente. E ambos são nada além de
elogios para o ato de abertura dos nossos estilistas. Enquanto eles fazem
conversa fiada, concentro-me na refeição. Sopa de cogumelos, verduras amargas
com tomates do tamanho de ervilhas, rosbife em fatias finas como papel,
macarrão com molho verde, o queijo que derrete na sua língua servido com doce
de uvas azul. Os servidores, todos pessoas jovens vestidas em túnicas brancas
como aquele que nos deu vinho, movem-se silenciosamente de lá para cá da mesa,
mantendo nossos pratos e taças cheias.
A cerca
de metade da minha taça de vinho minha cabeça começa a ficar enevoada, então
mudo para água. Não gosto da sensação e espero que vá embora logo. Como
Haymitch pode suportar ficar andando por aí assim a toda hora é um mistério.
Tento me
focar na conversa, que tem se direcionado à nossas vestes da entrevista, quando
uma garota coloca um glorioso bolo na mesa e habilmente o acende. Ela inflama e
então as chamas vacilam ao redor das beiras por um momento até finalmente
acabar. Tenho um momento de dúvida. “O que faz queimar? É álcool?” digo,
olhando para a garota. “Essa é a última coisa que eu que – oh! Eu te conheço!”
Eu não
posso dizer o nome ou tempo para o rosto da garota. Mas estou certa. O cabelo
vermelho escuro, as feições impressionantes, a pele branca de porcelana. Mas
mesmo que eu diga as palavras, sinto meu interior se contraindo de ansiedade e
culpa a visão dela, e enquanto eu não posso lembrar, sei que alguma memória
ruim está associada a ela. A expressão de terror que cruza em seu rosto apenas
aumenta minha confusão e intranqüilidade. Ela balança seu rosto em negação
rapidamente e rapidamente se afasta da mesa.
Quando
olho para trás, os quatro adultos estão me assistindo como gaviões.
“Não seja
ridícula, Katniss. Como seria possível você conhecer uma Avox?” repreende
Effie. “Só em imaginação.”
“O que é
um Avox?” pergunto estupidamente.
“Alguém
que cometeu um crime. Eles cortam sua língua, assim ela não pode falar,” diz
Haymitch. “Ela provavelmente é uma traidora de algum tipo. Não tem como você
conhecê-la.”
“E mesmo se conhecesse, você não é para falar com nenhum
deles a não ser para dar uma ordem,” diz Effie. “É claro, você de fato não a
conhece.”
Mas eu
realmente a conheço. E agora que Haymitch tem mencionado a palavra traidor eu
lembro de onde. A desaprovação é tão alta que eu nunca podia admitir. “Não,
acho que não, eu só –” eu gaguejo, e o vinho não está ajudando.
Peeta
estala seus dedos. “Delly Cartwright. Isso é que é. Continuei pensando que ela
parecia familiar também. Então percebo que ela é desanimada demais para Delly.”
Dellu
Cartwright é uma garota boba de rosto pálido, com um cabelo amarelado, que
parece tão servil para conosco quanto um besouro para uma borboleta. Ela pode
também ser a pessoa mais amigável do planeta – sorri constantemente para todo
mundo na escola, até para mim. Eu nunca tinha visto a garota de cabelos
vermelhos sorrir. Mas eu agarrei a sugestão de Peeta agradecida. “É claro, era
essa em quem eu estava pensando. Deve ser pelo cabelo,” digo.
“Algo
sobre os olhos, também,” diz Peeta.
A energia
a mesa relaxa. “Oh, bem. Se isso é tudo,” diz Cinna. “E sim, o bolo tem bebida
alcoólica, mas todo o álcool tem queimado. Eu o pedi especialmente em honra da
sua estréia brilhante.”
Nós
comemos o bolo e entramos na sala de estar para assistir o replay das
cerimônias de abertura que está sendo transmitido. Umas poucas outras duplas
fazem uma boa impressão, mas nenhuma delas é capaz de medir-se a nós. Mesmo
nosso próprio partido solta um “Ahh” enquanto eles nos mostram saindo do Centro
de Remodelagem.
“De quem
foi a idéia de segurar as mãos?” pergunta Haymitch.
“Cinna,”
diz Portia.
“Só um
perfeito toque de rebelião,” diz Haymitch. “Muito bom.”
Rebelião?
Eu tenho que pensar sobre isso por um momento. Mas quando lembro das outras
duplas, permanecendo rigidamente distante, nunca tocando ou reconhecendo o
outro, como se seus tributos companheiros não existissem, como se os Games já
tivessem começado, eu sei o que Haymitch quer dizer. Apresentando-nos não como
adversários, mas como amigos, tem nos distinguido tanto quanto os trajes
ardentes.
“Amanhã
de manhã é a primeira seção de treinamento. Encontrem-me no café da manhã e
direi a você exatamente como eu quero que vocês joguem,” diz Haymitch para
Peeta e eu. “Agora vão dormir um pouco enquanto os crescidos conversam.”
Peeta e
eu andamos juntos pelo corredor para nossos quartos. Quando nós chegamos à
minha porta, ele se inclina contra a estrutura, não bloqueando minha entrada
exatamente, mas insistindo para eu prestar atenção nele. “Então, Dally
Cartwright. Imagine encontrar sua sósia aqui.”
Ele está
pedindo por uma explicação, e estou tentada a dar uma a ele. Ambos sabemos que
ele me deu cobertura. Assim aqui estou eu, em débito com ele de novo. Se disser
a ele a verdade, de alguma forma coisas podem aparecer. Como isso pode machucar
realmente? Mesmo se ele repetiu a história, não podia fazer a mim nenhum dano.
Era apenas algo que eu testemunhei. E ele mentiu tanto quando eu sobre Delly
Cartwright.
Percebo
que quero muito conversar com alguém sobre essa garota. Alguém que possa ser
capaz de me ajudar a compreender sua história.
Gale
seria minha primeira escolha, mas é improvável que eu veja Gale novamente.
Tento imaginar se dizer a Peeta pode dar a ele alguma possível vantagem sobre
mim, mas não vejo como. Talvez dividir um segredo o fará acreditar que eu o
vejo como amigo, na verdade.
Além
disso, a idéia da garota com sua língua mutilada me assusta. Ela me lembre
porque eu estou aqui. Não para pousar com trajes berrantes e comer coisas
gostosas. Mas para ter uma morte sangrenta, enquanto a multidão encoraja meu
assassinato.
Dizer ou
não dizer? Meu cérebro ainda está devagar do vinho. Olho para o corredor vazio
como se a decisão estivesse ali.
Peeta capta minha hesitação. “Você já esteve no telhado?”
Eu balanço minha cabeça. “Cinna me mostrou. Você pode praticamente ver toda a
cidade. O vento é um pouco barulhento, entretanto.”
Eu
traduzo isso como “Ninguém poderá nos ouvir conversar” na minha cabeça. Você
tem a sensação de que poderíamos estar sob vigilância aqui. “Nós podemos apenas
subir?”
“Claro,
venha,” diz Peeta. Sigo-o para um lance de escadaria que vai ao telhado. Há um
pequeno cômodo em forma de cúpula com uma porta para fora. Quando pisamos
dentro do ar da noite fresco e ventoso, eu seguro meu fôlego pela vista. O
Capitol cintila como um vasto campo de vaga-lumes. Eletricidade no Distrito 12
vinha e ia, usualmente nós só a tínhamos por poucas horas por dia.
Freqüentemente as noites são passadas a luz de velas. A única hora que você
pode contar com ela é quando eles estão exibindo os Games ou alguma mensagem
importante do governo na televisão, que é obrigatório assistir. Mas aqui não
existiria carência. Nunca. Peeta e eu andamos para o parapeito nos limites do
telhado. Eu olho para baixo ao lado do edifício para a rua, que está zunindo de
gente. Você pode ouvir seus carros, um berro ocasional, e um estranho toque
metálico. No Distrito 12, nós todos estaríamos pensando na cama agora.
“Perguntei
a Cinna porque eles nos deixam subir aqui. Eles não estavam preocupados que
algum dos tributos possa decidir pular pelo lado?” diz Peeta.
“O que
ele disse?” Pergunto.
“Você não
pode,” diz Peeta. Ele levanta sua mão num espaço aparentemente. Há um zumbido
afiado e ele puxa a mão de volta. “Algum tipo de campo elétrico te joga de
volta ao telhado.”
“Sempre
preocupados com a nossa segurança,” digo. Embora Cinna tenha mostrado a Peeta o
telhado, pergunto-me se não deveríamos estar aqui em cima agora, tão tarde e
sozinhos. Eu nunca tinha visto tributos no telhado do Centro de Treinamento
antes. Mas isso não significa que nós não estamos sendo gravados. “Você acha
que eles estão nos assistindo agora?”
“Talvez,”
ele admite. “Venha ver o jardim.”
Do outro
lado da cúpula eles construíram um jardim com canteiros de flores e árvores em
vasos. Nos ramos estão pendurados centenas de sinos de vento, que contam pelo
tinido que eu ouvi. Aqui no jardim, na noite ventosa, é o suficiente para
abafar duas pessoas que estão tentando não ser ouvidas. Peeta olha para mim com
expectativa.
Eu finjo
examinar uma flor. “Nós estávamos caçando na floresta um dia. Escondidos,
esperando pela caça,” eu sussurro.
“Você e seu
pai?” ele sussurra de volta.
“Não, meu
amigo Gale. Repentinamente todos os pássaros pararam de cantar de uma vez.
Exceto um. Era como se ele estivesse nos dando uma chamada de alerta. E então
nós a vimos. Tenho certeza que era a mesma garota. Um garoto estava com ela.
Suas roupas estavam esfarrapadas. Eles tinham círculos escuros sob seus olhos
de falta de sono. Eles estavam correndo como se suas vidas dependessem disso,”
eu digo.
Por um
momento eu fico em silêncio, enquanto lembro como a visão desse estranho par,
claramente não do Distrito 12, correndo através da floresta nos imobilizou.
Depois, nós nos perguntamos se nós podíamos tê-los ajudado a escapar. Talvez
pudéssemos ter. Ocultá-los. Se nós tivéssemos nos movido rapidamente. Gale e eu
estávamos tomados pela surpresa, sim, mas ambos somos caçadores. Sabemos como
animais parecem aflitos. Sabíamos que o par estava em problemas tão logo que
nós os vimos. Mas apenas assistimos.
“O aero
barco apareceu do nada,” eu continuei para Peeta. “Quero dizer, em um momento o
céu estava vazio e no outro lá estava ele. Não fez nenhum som, mas eles o
viram. Uma rede caiu em cima da garota e a carregou para cima, rápido, tão
rápido como um elevador. Eles atiraram algum tipo de arpão através do garoto.
Estava amarrado a um cabo e eles o prenderam e o subiram também. Mas eu estava
certa que ele estava morto. Nós escutamos a
garota gritar uma vez. O nome do garoto, eu acho. Então ele
se foi, o aero barco. Sumiu no ar. E os pássaros começaram a cantar de novo,
como se nada tivesse acontecido.”
“Eles
viram vocês?” Peeta perguntou.
“Eu não
sei. Estávamos sob uma rocha,” eu replico.
Mas eu
sei. Houve um momento, depois da chamada do pássaro, mas antes do aero barco,
que a garota tinha-nos visto. Ela olhou para mim e gritou por ajuda. Mas nem
Gale ou eu tínhamos respondido.
“Você
está tremendo,” diz Peeta.
O vento e
a história tinha acabado com todo o calor do meu corpo. O grito da garota.
Tinha sido o último?
Peeta
tira sua jaqueta e a coloca ao redor dos meus ombros. Eu começo a recuar, mas
então eu o deixo, decidindo por um momento aceitar ambos sua jaqueta e sua
gentileza. Um amigo faria isso, certo?
“Eles
eram daqui?” ele pergunta, e fecha um botão no meu pescoço.
Eu
assinto. Eles tinham aquela aparência de Capitol neles. O garoto e a garota.
“Para
onde você acha que eles estavam indo?” ele pergunta.
“Eu não
sei isso,” digo. Distrito 12 é muito como o fim da linha. Além de nós, há
apenas a imensidão. Se você não contar com as ruínas do Distrito 13 que ainda
arde lentamente das bombas tóxicas. Eles mostram na televisão ocasionalmente,
só para nos lembrar. “Ou porque eles partiriam daqui.” Haymitch tinha chamado
os Avoxes de traidores. Contra o quê? Só poderia ser o Capitol. Mas eles tinham
tudo aqui. Sem causa para rebeldia.
“Eu
partiria daqui,” Peeta deixa escapar. Então ele olha ao redor nervosamente. Foi
alto o bastante escutar acima dos sinos. “Eu iria para casa agora se eles me
deixassem. Mas você tem que admitir, a comida é de primeira.”
Ele está
protegido novamente. Se aquilo é tudo que você escutaria só iria parecer
palavras de um tributo assustado, mas de alguém contemplando a inquestionável
bondade do Capitol.
“Está
ficando frio. É melhor entrarmos,” ele diz. Dentro da cúpula, é quente e
luminoso. Seu tom é Leve. “Seu amigo Gale. Ele é o que levou a sua irmã da
colheita?”
“Sim.
Você o conhece?” pergunto.
“Não
realmente. Eu ouvi que as garotas falam muito sobre ele. Achei que ele fosse
seu primo ou algo. Vocês ajudam um ao outro,” ele diz.
“Não, nós
não somos parentes,” digo.
Peeta
acena, ilegível. “Ele veio dizer adeus para você?”
“Sim,” eu
digo, observando-o cuidadosamente. “E seu pai também. Ele me trouxe biscoitos.”
Peeta
levanta suas sobrancelhas como se fosse novidade. Mas depois de vê-lo mentindo
tão facilmente, eu não dou muito crédito. “Verdade? Bem, ele gosta de você e da
sua irmã. Acho que ele queria ter tido uma filha em vez de uma casa cheia de
garotos.”
A idéia
de que eu poderia ter sido discutida, na mesa de janta, no fogo da padaria,
apenas de passagem na casa de Peeta me dá um sobressalto. Deveria ter sido
quando a mãe estava fora do cômodo.
“Ele
conhecia sua mãe quando eles eram crianças,” diz Peeta.
Outra
surpresa. Mas provavelmente verdade. “Oh, sim. Ela cresceu na cidade,” eu digo.
Não parece ser educado dizer que ela nunca mencionou o padeiro exceto para
elogiar o seu pão.
Nós
estamos na minha porta. Eu devolvo a jaqueta dele. “Vejo você de manhã, então.”
“Até,”
ele diz, e anda pelo corredor.
Quando
abro minha porta, a garota de cabelo vermelho está recolhendo meu macacão
colado e minhas botas de onde eu os deixei no chão antes do banho. Eu quero me
desculpar por possivelmente colocá-la em problemas mais cedo. Mas eu lembro que
não é para eu falar com ela a menos para dar uma ordem.
“Oh,
desculpe,” digo. “Eu deveria ter devolvido isso para Cinna. Desculpe. Você pode
levá-los para ele?”
Ela foge
dos meus olhos, dá um pequeno aceno, e segue para porta.
Eu começaria a dizer a ela que eu sinto muito pelo jantar.
Mas sei que minhas desculpas ficariam mais profundas. Que eu estava
envergonhada por nunca ter tentado ajudá-la na floresta. Que eu deixei o
Capitol matar o garoto e mutilá-la sem levantar o dedo.
Justo
como eu era assistindo os Games.
Eu chuto
meus sapatos e subo sob os cobertores em minhas roupas. O tremor não parou.
Talvez a garota nem se lembre de mim. Mas eu sei que ela lembra. Você não
esquece a face da pessoa que era sua última esperança. Eu puxei os cobertores
acima da minha cabeça como se isso fosse me proteger da garota de cabelos
vermelhos que não pode falar. Mas eu posso sentir seus olhos me assistindo,
perfurando através das paredes e portas e cobertas.
Pergunto-me
se ela gostará de me assistir morrer.
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Meu repouso é cheio de sonhos perturbadores. O rosto da garota ruiva entrelaça-se com imagens ensanguentadas de Hunger Games anteriores, com a minha mãe longe e inalcançável, com a magreza e o terror de Prim. Eu me levanto gritando por meu pai correr enquanto a mina explode em milhões de pedacinhos mortíferos de luz.
O sol
está nascendo pelas janelas. O Capitol tem um ar nebuloso e assombrado. Minha
cabeça dói e eu devo ter mordido a lateral da minha bochecha de noite. Minha
língua investiga a carne áspera e eu sinto gosto de sangue.
Lentamente,
eu me arrasto para fora da cama e para o chuveiro. Eu arbitrariamente soco
botões no painel de controle e acabo pulando de pé em pé enquanto jatos
alternados de água gélida e pelando de quente me acertam. Então eu sou inundada
em espuma de limão que eu tenho que retirar com uma forte escova eriçada. Ah,
bem. Pelo menos meu sangue está fluindo.
Agora que
estou seca e hidratada com loção, eu acho uma veste que foi deixada para mim na
frente do armário. Calça preta apertada, uma túnica cor de vinho de mangas
longas, e sapatos de couro. Eu deixo meu cabelo em uma trança única pelas
minhas costas. Essa é a primeira vez desde a manhã da colheita que eu pareço
comigo mesma. Nada de cabelo e roupas chiques, nada de capas flutuantes.
Simplesmente eu. Parecendo como se eu pudesse estar indo para a floresta. Isso
me acalma.
Haymitch
não nos deu um tempo exato para nos encontrar para o café da manhã e ninguém me
contatou essa manhã, mas eu estou com tanta fome que eu me dirigi para a sala
de jantar, esperando que tenha comida. Não fico decepcionada. Enquanto a mesa
está vazia, em uma comprida tábua do lado foram colocados pelo menos vinte
pratos. Um jovem, um Avox, está de pé por perto prestando atenção. Quando eu
pergunto se posso me servir, ele concorda assentindo. Eu sirvo um prato com
ovos, salsichas, panquecas cobertas com compotas de laranjas grossas, fatias de
melão roxo claro. Enquanto eu me empanturro, eu observo o sol nascer por
Capitol. Eu pego um segundo prato de grãos quentes encobertos por cozido de
bife. Finalmente, eu encho um prato com pãezinhos e sento na mesa, quebrando
pedacinhos untados e mergulhando-os em chocolate quente, do jeito que Peeta
fizera no trem.
Minha
mente vaga até minha mãe e Prim. Elas devem estar acordadas. Minha mãe preparando
o mingau do café da manhã delas. Prim ordenhando sua cabra antes da escola. Há
apenas duas manhãs, eu estava em casa. Isso podia estar certo? Sim, só duas. E
agora como a casa parecia vazia, mesmo a distância. O que elas disseram ontem a
noite após a minha estréia poderosa nos Games? Isso lhes deu esperança, ou
simplesmente somou ao seu horror, quando elas viram a realidade de vinte e
quatro tributos circulados juntos, sabendo que apenas um poderia viver?
Haymitch
e Peeta entram, desejam-me bom dia, enchem seus pratos. Me deixa irritada Peeta
estar usando exatamente a mesma veste que eu. Eu preciso dizer algo para Cinna.
Essa atuação de gêmeos vai explodir nas nossas caras assim que os Games
começarem. Claro, eles devem saber disso. Então eu me lembro de Haymitch me
dizendo para fazer exatamente o que os estilistas me dizem para fazer. Se fosse
qualquer outro que não Cinna, eu poderia ter tentado ignorá-lo. Mas após o
triunfo da noite passada, eu não tenho muito espaço para criticar as escolhas
dele.
Eu estou
nervosa quanto ao treinamento. Haverá três dias nos quais todos os tributos
praticam juntos. Na última tarde, cada um terá uma chance de se apresentar em
particular perante os Gamemakers*. Pensar em conhecer os outros tributos
cara-a-cara me deixa enjoada. Eu viro o pãozinho que eu acabei de pegar da
cesta continuamente em minhas mãos, mas meu apetite se foi.
Quando
Haymitch termina diversos pratos de cozido, ele empurra seu prato com um
suspiro. Ele tira um frasco de seu bolso e dá uma longa tragada nela e inclina
seus cotovelos na mesa. “Então, vamos direto aos negócios. Treinamento.
Primeiro de tudo, se preferirem, eu os treinarei separadamente. Decidam agora.”
“Por que você nos treinaria separadamente?” Eu pergunto.
“Digamos
que você tenha uma habilidade secreta que talvez não queira que o outro saiba,”
diz Haymitch.
Eu troco
um olhar com Peeta. “Eu não tenho nenhuma habilidade secreta,” ele diz. “E eu
já sei qual a sua é, certo? Quero dizer, já comi bastante esquilos seus.”
Eu nunca
tinha pensado em Peeta comendo os esquilos que eu tinha matado. De algum modo,
eu sempre imaginei o padeiro se afastando silenciosamente e fritando-os para
si. Não de gula. Mas porque famílias da cidade geralmente comem carne de
açougue caras. Bife e frango e cavalo.
“Pode nos
treinar juntos,” eu digo a Haymitch. Peeta concorda.
“Tudo
bem, então me dêem uma ideia do que conseguem fazer,” diz Haymitch.
“Eu não
consigo fazer nada,” diz Peeta. “A não ser que conta assar pão.”
“Desculpa,
não conta. Katniss. Já sei que é habilidosa com uma faca,” diz Haymitch.
“Na
verdade não. Mas consigo caçar,” eu digo. “Com arco e flecha.”
“E você é
boa?” pergunta Haymitch.
* Ao pé
da letra, seria algo como "criadores/fazedores de jogo".
Eu tenho
que pensar nisso. Eu vinha colocando comida na mesa por quatro anos. Isso não é
uma tarefa pequena. Eu não sou tão boa quanto meu pai era, mas ele tinha tido
mais treino.
Eu tinha
mira melhor do que Gale, mas eu tinha tido mais treino. Ele é um gênio com
armadilhas e ciladas. “Eu sou mais ou menos,” eu digo.
“Ela é
excelente," diz Peeta. “Meu pai compra os esquilos dela. Ele sempre
comenta como as flechas nunca penetram o corpo. Ele acerta todos no olho. É o
mesmo com os coelhos que ela vende ao açougueiro. Ela consegue até mesmo
derrubar veados.”
Essa
avaliação do Peeta das minhas habilidades me toma por completo de surpresa.
Primeiro, que ele tenha notado. Segundo, que ele está me promovendo. “O que
você está fazendo?” Eu pergunto a ele em suspeita.
“O que
você está fazendo? Se ele vai nos ajudar, ele tem que saber do que você é
capaz. Não se subestime,” diz Peeta.
Eu não
sei por que, mas isso não me desce bem. “E quanto a você? Eu te vi no mercado.
Você consegue levantar sacos de farinha de quarenta e cinco quilos,” eu retruco
para ele. “Diga isso a ele. Isso não é nada.”
“Sim, e
estou certo de que a arena estará cheia de sacos de farinha para mim atirar nas
pessoas. Não é como ser capaz de usar uma arma. Você sabe que não é,” ele atira
de volta.
“Ele
consegue lutar,” eu digo a Haymitch. “Ele ficou em segundo na competição da
nossa escola ano passado, depois só do seu irmão.”
“Qual o
uso disso? Quantas vezes você viu alguém lutar com outro até a morte?” diz
Peeta com nojo.
“Há
sempre combate corpo-a-corpo. Tudo o que você precisa é arranjar uma faca, e
você pelo menos terá uma chance. Se eu for surpresa, estou morta!” Eu consigo
ouvir minha voz subindo de raiva.
“Mas você
não será surpresa! Você estará vivendo em alguma árvore comendo esquilos crus e
alvejando as pessoas com flechas. Você sabe o que a minha mãe disse para mim
quando ela veio dizer adeus, como se para me animar, ela diz que talvez o
Distrito Doze finalmente tenha um campeão. Então eu percebi, ela não quis dizer
eu, ela quis dizer você!" esbraveja Peeta.
“Ah, ela
quis dizer você,” eu digo com um aceno de rejeição.
“Ela
disse, ‘Ela é uma sobrevivente, aquela.’ Ela é,” diz Peeta.
Isso me
faz parar abruptamente. A mãe dele realmente disse isso de mim? Ela me julgava
acima de seu filho? Eu vejo a dor nos olhos de Peeta e sei que ele não está
mentindo.
De
repente eu estou atrás da padaria e eu consigo sentir o frio da chuva
escorrendo pelas minhas costas, o vazio da minha barriga. Eu sôo como se
tivesse onze anos quando eu digo. “Mas só porque alguém me ajudou.”
Os olhos de Peeta rolam para o pãozinho nas minhas mãos, e
eu sei que ele se lembra daquele dia também. Mas ele só dá de ombros. “As
pessoas irão te ajudar na arena. Elas estarão se estapeando para patrocinar
você."
“Não mais
do que para patrocinar você,” eu digo.
Peeta
gira seus olhos para Haymitch. “Ela não faz ideia. Do efeito que ela pode ter.”
Ele corre suas unhas pelo grão de madeira na mesa, se recusando a olhar para
mim.
O que
diabos ele quer dizer? Pessoas irão me ajudar? Quando estávamos morrendo de
fome, ninguém me ajudou! Ninguém exceto Peeta. Uma vez que eu tinha algo pelo
qual fazer escambo, as coisas mudaram. Eu sou uma comerciante durona. Sou? Que efeito
eu tenho? Que eu sou fraca e necessitada? Ele está sugerindo que eu consigo
bons negócios porque as pessoas tem pena de mim? Eu tento pensar se isso é
verdade. Talvez alguns dos mercadores fossem um pouco generosos em suas trocas,
mas eu sempre atribui isso a seus relacionamentos de longa duração com meu pai.
Além do mais, minha caça é de primeira qualidade. Ninguém tinha pena de mim!
Eu olho
feio para o pãozinho, certa de que ele quis me insultar.
Após
talvez um minuto disso, Haymitch diz, “Bom, então. Bom, bom, bom. Katniss, não
há garantias de que haverá arcos e flechas na arena, mas durante sua sessão
particular com os Gamemakers, mostre a eles o que sabe fazer. Até lá, fique
longe do arqueirismo. Você é boa em armadilhas?”
“Eu
conheço algumas ciladas básicas,” eu murmuro.
“Isso
pode ser significante em termos de comida,” diz Haymitch. “E Peeta, ela está
certa, nunca subestime força na arena. Muito freqüentemente, força física dá
vantagem para um jogador. No Centro de Treinamento, eles terão pesos, mas não
revele quanto você consegue levantar na frente dos outros tributos. O plano é o
mesmo para ambos. Vocês vão para o treinamento em grupo. Passem o dia tentando
aprender algo que não saibam. Jogar uma lança. Girar um cetro. Aprender a dar
um nó decente. Guardem mostrar o que sabem melhor até suas sessões
particulares. Estamos entendidos?” diz Haymitch. Peeta e eu concordamos.
“Uma
última coisa. Em público, eu quero vocês ao lado do outro toda hora,” diz
Haymitch. Ambos começamos a nos opor, mas Haymitch bate sua mão na mesa. “Toda
hora! Não está aberto a discussão! Vocês concordaram em fazer o que eu disser!
Vocês ficarão juntos, vocês parecerão amáveis um com o outro. Agora caiam fora.
Encontrem Effie no elevador às dez para o treinamento.”
Eu mordo meu
lábio e ando altivamente de volta para meu quarto, certificando-me de que Peeta
consiga ouvir a porta bater. Eu sento na cama, odiando Haymitch, odiando Peeta,
odiando a mim mesma por mencionar aquele dia há tanto tempo na chuva.
É uma
piada! Peeta e eu concordando em fingir que somos amigos! Promovendo as forças
um do outro, insistindo que o outro receba crédito por suas habilidades.
Porque, de fato, em algum ponto, teremos que parar com isso e aceitar que somos
adversários ferozes. O que eu estaria preparada para fazer agora mesmo se não
fosse pela estúpida instrução do Haymitch de que ficássemos juntos no
treinamento. É minha própria culpa, eu suponho, dizendo a ele que ele não tinha
que nos treinar separadamente. Mas isso não significava que eu queria fazer
tudo com o Peeta. Que, a propósito, claramente não quer ficar de parceria
comigo, tampouco.
Eu ouço a
voz de Peeta em minha cabeça. Ela não faz ideia. Do efeito que ela pode ter.
Obviamente dito para me depreciar. Certo? mas uma pequenina parte de mim se
pergunta se isso foi um elogio. Que ele quis dizer que eu era cativante de
alguma maneira. Era estranho, o quanto ele tinha me notado. Como a atenção que
ele tinha prestado a minha caçada. E aparentemente, eu não estive alheia a ele
como eu imaginava, tampouco. A farinha. A luta. Eu tinha ficado de olho no
garoto do pão.
São quase
dez horas. Eu escovo meus dentes e penteio meu cabelo novamente. A raiva
temporariamente bloqueada por causa do meu nervosismo em conhecer os outro
tributos, mas agora eu consigo sentir minha ansiedade crescendo novamente. Na
hora em que eu
encontro Effie e Peeta no elevador, eu me pego roendo
minhas unhas. Eu paro imediatamente.
As salas
de treinamento ficam abaixo do nível térreo do nosso prédio. Com esses
elevadores, a corrida é menos de um minuto. As portas são abertas para um
enorme ginásio cheio de várias armas e caminhos de obstáculos. Apesar de não
serem dez horas ainda, nós somos os últimos a chegar. Os outros tributos estão
reunidos em um círculo tenso. Cada um tem um pedaço quadrado de pano com o
número de seu distrito preso com alfinetes em suas camisetas. Enquanto alguém
alfineta o número 12 nas minhas costas, eu faço uma rápida avaliação. Peeta e
eu somos os únicos vestidos iguais.
Assim que
nos juntamos ao círculo, a treinadora principal, uma mulher alta e atlética
chamada Atala vai à frente e começa a explicar o cronograma de treinamento.
Especialistas de cada habilidade vão ficar em suas estações. Ficaremos livres
para viajar de área para área conforme desejarmos, conforme as instruções de
nossos mentores. Algumas das estações ensinam técnicas de sobrevivências,
outras técnicas de luta. Estamos proibidos de nos envolver em qualquer
exercício de combate com outro tributo. Há assistentes por perto se quisermos
praticar com um parceiro.
Quando
Atala começa a ler a lista de estações de habilidades, meus olhos não conseguem
evitar esvoaçar para os outros tributos. É a primeira vez que estamos reunidos,
nos mesmos termos, com roupas simples. Meu coração afunda. Quase todos os
garotos e pelo menos metade das garotas são maiores do que eu, apesar de muitos
dos tributos nunca terem sido alimentados apropriadamente. Você consegue ver
isso em seus ossos, em suas peles, no olhar vazio em seus olhos. Eu posso ser
menos naturalmente, mas de modo geral as habilidades da minha família tinham me
dado uma vantagem nessa área. Eu fico de pé reta, e embora eu seja magra, eu
sou forte. A carne e as plantas da floresta combinadas com o esforço que foi
preciso para consegui-los me deram um corpo mais saudável do que a maioria que
eu vejo por aqui.
As exceções
são os garotos dos distritos mais ricos, os voluntários, aqueles que foram
alimentados e treinados por toda a sua vida para esse momento. Os tributos do
1, 2 e 4 tradicionalmente tem esse aspecto neles. É tecnicamente contra as
regras treinar tributos antes que eles cheguem no Capitol, mas acontece todo
ano. No Distrito 12, nós os chamamos de Tributos Profissionais, ou simplesmente
os Profissionais. E goste ou não, o campeão será um deles.
A ligeira
vantagem que eu tenho no Centro de Treinamento, minha entrada feroz ontem a
noite, parece sumir na presença da minha competição. Os outros tributos tinham
inveja de nós, mas não porque éramos sensacionais, porque os nossos estilistas
eram. Agora eu não vejo nada além de desprezo nos olhares dos Tributos Profissionais.
Cada um deve ter de vinte e dois a quarenta e cinco quilos a mais que eu. Eles
projetam arrogância e brutalidade. Quando Atala nos libera, eles se dirigem
diretamente para as armas com aspecto mais mortífero no ginásio e as manuseiam
com facilidade.
Eu estou
pensando que é uma sorte eu ser uma rápida corredora quando Peeta cutuca o meu
braço e eu pulo. Ele ainda está ao meu lado, de acordo com as instruções de
Haymitch. Sua expressão está sóbria. “Onde gostaria de começar?”
Eu olho
ao redor para os Tributos Profissionais que estão se exibindo, claramente
tentando intimidar o campo. Então para os outros, os subnutridos, os
incompetentes, tremulamente tendo suas primeiras lições com uma faca ou um
machado.
“Suponho
que devamos dar alguns nós,” eu digo.
“Está
certíssima,” diz Peeta. Cruzamos para uma estação vazia onde o treinador parece
satisfeito por ter alunos. Você tem o pressentimento de que a aula de atar nós
não é o ponto quente do Hunger Games. Quando ele percebe que eu sei um pouco
sobre ciladas, ele nos mostra uma armadilha simples e excelente que deixará um
competidor humano pendurado por uma perna em uma árvore. Nós nos concentramos
nessa habilidade por uma hora até ambos termos dominado-a. Então mudamos para
camuflagem. Peeta genuinamente parece gostar dessa estação, espalhando uma
combinação de lama e argila e suco de baga ao redor da
sua pele pálida, tecendo disfarces de vinhas e folhas. O
treinador que comanda a estação de camuflagem está cheio de entusiasmo por seu
trabalho.
“Eu faço
os bolos,” ele admite para mim.
“Os
bolos?” eu pergunto. Eu estivera preocupada em observar o garoto do Distrito 2
mandar uma lança pelo coração de um boneco de treze metros. “Que bolos?”
“Em casa.
Os de pasta americana, para a padaria,” ele diz.
Ele quer
dizer aqueles que eles colocam nas janelas. Bolos chiques com flores e coisas
bonitas pintadas com crosta de açúcar cristalizada. Eles são para aniversários
e Réveillons. Quando estamos na praça, Prim sempre me arrasta para admirá-los,
apesar de nunca sermos capazes de comprar um. Há pouca beleza no Distrito 12,
contudo, então eu não consigo negar isso a ela.
Eu olho
mais criticamente para o desenho no braço do Peeta. O padrão alternado de luz e
escuridão sugerem a luz solar caindo por sobre as folhas na floresta. Eu me
pergunto como ele conhece isso, já que eu duvido que ele já esteve além da
cerca. Ele fora capaz de aprender isso só com aquela velha macieira magricela
em seu quintal? De algum modo o negócio todo – sua habilidade, aqueles bolos
inacessíveis, o elogio do especialista em camuflagem – me irritam.
“É
adorável. Se ao menos você pudesse cobrir alguém de açúcar cristalizado até a
morte,” eu digo.
“Não seja
tão superior. Nunca se pode supor o que você encontrará na arena. Digamos que é
realmente um bolo gigante –” começa Peeta.
“Digamos
que vamos para o próximo assunto,” eu interrompo.
Então os
próximos três dias passam com Peeta e eu indo silenciosamente de estação para
estação. Nós realmente aprendemos algumas habilidades valiosas, de acender
fogueiras, até atirar facas, até fazer abrigos. Apesar da ordem de Haymitch de
aparecer medíocre, Peeta se sobressai em combate corpo-a-corpo, e eu arraso no
teste de plantas comestíveis sem piscar um olho. Nós ficamos longe de
arqueirismo e levantamento de peso, contudo, querendo guardar esses para as
nossas sessões particulares.
Os
Gamekeepers aparecem cedo no primeiro dia. Mais ou menos vinte homens e
mulheres vestidos em robes roxos escuros. Eles se sentam em estrados elevados
que cercam o ginásio, as vezes perambulando nos arredores para nos observar,
rabiscando anotações, outras vezes comendo no banquete infinito que foi
preparado para eles, ignorando-nos. Mas eles realmente parecem estar de olho
nos tributos do Distrito 12. Várias vezes eu olhei para cima e descobri um fixo
em mim. Eles se consultam com os treinadores durante as nossas refeições,
também. Nós vemos eles todos reunidos juntos quando voltamos.
O café da
manhã e o jantar são servidos no chão, mas no almoço, nós vinte e quatro
comemos em uma sala de jantar fora do ginásio. A comida é arrumada em carrinhos
ao redor da sala e você se serve. Os Tributos Profissionais tendem a se reunir
brutalmente ao redor de uma mesa, como se para provar sua superioridade, que
eles não tem medo um do outro e consideram o resto de nós indignos de sermos
notados. A maioria dos outros tributos senta sozinho, como ovelhas perdidas.
Ninguém diz uma palavra para nós. Peeta e eu comemos junto, e já que Haymitch
fica nos evitando sobre isso, tentamos manter uma conversa amigável durante as
refeições.
Não é
fácil achar um tópico. Falar de casa é doloroso. Falar do presente é
insuportável. Um dia, Peeta esvazia nossa cesta de pães e aponta como eles
foram cuidadosos em incluir os tipos dos distritos junto com o pão refinado do Capitol.
O pão de forma em formato de peixe pintado de verde com algas do Distrito 4. O
pãozinho de lua crescente pontilhado com sementes do Distrito 11. De algum
modo, apesar de ser feito do mesmo negócio, parece um bocado mais apetitoso do
que as feias gotas e biscoitos que são a comida padrão em casa.
“E aí
está,” diz Peeta, cavoucando os pães de volta na cesta.
“Você
certamente sabe um monte,” eu digo.
“Só sobre
pães," ele diz. “Está bem, agora ria como se eu tivesse dito algo
engraçado.”
Ambos
damos um tipo de risada convincente e ignoramos as encaradas ao redor da sala.
“Está certo, eu ficarei sorrindo alegremente e você fala,”
diz Peeta. Está cansando nós dois, a instrução de Haymitch para ser amigável.
Porque desde que eu bati a minha porta, há um frio no ar entre nós. Mas temos
nossas ordens.
“Já te
contei de quando fui perseguida por um urso?” Eu pergunto.
“Não, mas
parece fascinante,” diz Peeta.
Eu tento
e animo meu rosto enquanto relembro do evento, uma história verdadeira, na qual
eu tolamente desafiei um urso negro sobre os direitos de uma colméia. Peeta ri
e faz perguntas exatamente no momento certo. Ele é muito melhor nisso do que eu
sou.
No
segundo dia, enquanto estamos jogando uma lança, ele sussurra para mim. “Acho
que temos uma sombra.”
Eu jogo
minha lança, na qual eu não sou tão ruim, na verdade, se eu não tiver que jogar
de muito longe, e vejo a garotinha do Distrito 11 de pé um pouco para trás,
observando-nos. Ela é a de doze anos, aquela que me lembrou bastante de Prim na
estatura. De perto ela parece ter dez. Ela tem olhos brilhantes e escuros e
pele marrom acetinada e fica inclinada na ponta do pé com seus braços
ligeiramente estendidos de lado, como se pronta para levantar vôo ao mais leve
som. É impossível não pensar em um pássaro.
Eu pego
outra lança enquanto Peeta joga. “Eu acho que o nome dela é Rue,” ele diz
suavemente.
Eu mordo
meu lábio. Rue é uma pequena flor amarela que cresce na Clareira. Rue.
Primrose. Nenhuma das duas conseguiria fazer a balança atingir trinta e um
quilos mesmo ensopadas.
“O que
podemos fazer quanto a isso?” Eu pergunto a ele, mais duramente do que eu
pretendia.
“Não há
nada a fazer,” ele diz de volta. “Só conversando.”
Agora que
eu sei que ela está ali, é difícil ignorar a criança. Ela desliza e se junta a
nós em estações diferentes. Como eu, ela é esperta com plantas, escala com
ligeireza, e tem boa mira. Ela consegue atingir o alvo todas as vezes com o
estilingue. Mas o que é um estilingue contra um macho de 100 quilos com uma
espada?
De volta
no andar do Distrito 12, Haymitch e Effie nos interrogam durante o café da
manhã e o jantar sobre cada momento do dia. O que fizemos, quem nos observou,
como os outros tributos nos avaliam. Cinna e Portia não estão por perto, então
não há ninguém para acrescentar sanidade às refeições. Não que Haymitch e Effie
estejam brigando mais. Ao invés, eles parecem ser uma só mente, determinada a
nos colocar em forma. Cheios de direções sem fim sobre o que devemos fazer e
não fazer no treinamento. Peeta é mais paciente, mas eu fico cheia e de mal
humor.
Quando
finalmente escapamos para cama na segunda noite, Peeta murmura, “Alguém deveria
dar uma bebida a Haymitch.”
Eu faço
um som que está entre uma bufada e uma risada. Então me paro. Está mexendo
muito com a minha mente, tentar ter noção de quando supostamente somos amigos e
quando não somos. Pelo menos quando formos para a arena, eu saberei em que pé
estamos. “Não. Não finjamos quando não há ninguém por perto.”
“Tudo
bem, Katniss,” ele diz cansadamente. Depois disso, só falamos na frente das
pessoas.
No
terceiro dia de treinamento, eles começam a nos chamar do almoço para nossas
sessões particulares com os Gamemakers. Distrito por distrito, primeiro o
garoto, então a garota tributo. Como sempre, o Distrito 12 é condenado a ser o
último. Nós nos tardamos na sala de jantar, não certos de onde mais ir. Ninguém
volta uma vez que tenham partido. Enquanto a sala se esvazia, a pressão para
parecer amigável se alivia. Na hora que chamam Rue, somos deixados sozinhos.
Nós nos sentamos em silêncio até que eles evocam Peeta. Ele se levanta.
“Lembre-se
o que Haymitch disse sobre ter certeza de jogar os pesos.” As palavras saem da
minha boca sem permissão.
“”Obrigado.
Eu irei,” ele diz. “Você... atire diretamente.”
Eu
concordo. Eu não sei por que eu disse algo. Apesar de que, se eu for perder, eu
prefiro que Peeta vença do que os outros. É melhor para o nosso distrito, para
minha mãe e Prim.
Após cerca de quinze minutos, eles chamam o meu nome. Eu
aliso meu cabelo, coloco meus ombros para trás, e entro no ginásio. Instantaneamente,
eu sei que estou encrencada. Eles estão aqui há muito tempo, os Gamemakers.
Estiveram sentados por outras vinte e três demonstrações. Tomaram muito vinho,
a maioria deles. Querem mais do que tudo ir para casa.
Não há
nada que eu possa fazer a não ser continuar com o plano. Eu ando até a estação
de arqueirismo. Ah, as armas! Eu estava louca para colocar minhas mãos nelas há
dias! Arcos feitos de madeira e plástico e metal e material que eu nem mesmo
sei o nome. Flechas com penas cortadas em linhas uniformes perfeitas. Eu
escolho um arco, penduro-o, e amarro o coldre de flechas combinando por sobre o
meu ombro. Há uma linha de tiro, mas é por demais limitada. O centro de um
círculo padrão e silhuetas humanas. Eu ando até o centro do ginásio e escolho
meu primeiro alvo. O boneco usado para prática de faca. Mesmo quando recuo com
o arco, eu sei que algo está errado. A corda é mais apertada do que a que eu
uso em casa. A flecha é mais rígida.
Eu erro o
boneco por alguns poucos centímetros e perco o pouco de atenção que eu havia
conseguido. Por um instante, fico humilhada, então eu me dirijo de volta para o
centro do círculo. Eu atiro novamente e novamente até eu me acostumar com essas
novas armas.
De volta
ao centro do ginásio, eu tomo minha posição inicial e espeto o boneco bem no
coração. Então eu desfaço a corda que segura o saco de areia de boxe, e o saco
se abre enquanto cai com tudo no chão. Sem parar, eu rolo de ombros para
frente, levanto-me com um joelho, e mando uma flecha em uma das luzes penduradas
acima do chão do ginásio. Uma chuva de faíscas estoura do ornamento.
É um tiro
excelente. Eu me viro para os Gamemakers. Alguns estão acenando em aprovação,
mas a maioria deles está fixada em um porco assado que acabou de chegar em sua
mesa do banquete.
De
repente eu fico furiosa, que com a minha vida em risco, eles nem mesmo tem a
decência de prestar atenção em mim. Que um porco morto está roubando a minha
cena. Meu coração começa a martelar, eu consigo sentir o meu rosto queimando.
Sem pensar, eu puxo uma flecha do meu coldre e mando-a diretamente para a mesa
dos Gamemakers. Eu ouço gritos de amedrontamento enquanto as pessoas recuam. A
flecha espeta a maçã na boca do porco e a alfineta na parede atrás dele. Todos
me encaram em descrença.
“Obrigada
pela sua atenção,” eu digo. Então eu dou uma ligeira saudação e ando
diretamente na direção da saída sem ser dispensada.
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