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Uma vez, quando eu estava em uma cobertura numa árvore, esperando imóvel por uma caça a vaguear, eu cochilei e caí 3 metros no chão, caindo sobre minhas costas. Foi como se o impacto tivesse bloqueado todo fragmento de ar dos meus pulmões, e eu fiquei deitada lá, lutando para inalar, exalar, fazer qualquer coisa.
Era como
eu me sinto agora, tentando lembrar como respirar, incapaz de falar, totalmente
estupefata enquanto o nome salta para dentro do meu crânio. Alguém está
agarrando meu braço, um garoto de Seam, e acho que talvez eu comecei a cair e
ele me pegou.
Deve ter
sido algum engano. Isso não pode estar acontecendo. Prim era uma tira de papel
entre milhares! Suas chances de ser escolhida eram tão remotas que eu nem mesmo
me incomodei em ficar preocupada. Eu não tenho feito nada? Tomado o tesserae,
recusando a deixar ela fazer o mesmo? Uma tira. Um tira entre milhares. As
chances tinham estado inteiramente a favor dela. Mas isso não importou.
Em algum
lugar bem longe, eu posso ouvir a multidão murmurando infelizmente como eles
sempre fazem quando alguém de doze anos de idade é escolhido porque ninguém
acha que é justo. E então eu a vejo, o sangue drenado de seu rosto, as mãos
apertadas em punhos dos seus lados, andando com rígidos e pequenos passos em
direção ao palco, passando por mim, e vejo que a costa da sua blusa está solta
e balançando sobre a sua saia. É esse detalhe, a blusa solta formando um rabo
de pato, que me traz de volta a mim mesma.
“Prim!”
Um grito estrangulado sai da minha garganta, e meus músculos começam a se mover
de novo. “Prim!” Eu não preciso empurrar pela multidão. As outras crianças
fazem um caminho imediatamente me permitindo uma passagem direta para o palco.
Eu a alcanço justo enquanto ela está para subir o piso. Com um arrastão do meu
braço, eu a puxo para trás de mim.
“Eu me
voluntario!” Arfo. “Eu me voluntario como tributo!”
Há alguma
confusão no palco. Distrito 12 não tinha um voluntário em décadas e o protocolo
tinha ficado enferrujado. A regra era que uma vez que o nome do tributo tinha
sido puxado do globo, outro garoto elegível, se um nome de garoto tinha sido
lido, ou garota, se o nome de uma garota tinha sido lido, pode andar para tomar
o lugar dele ou dela. Em alguns distritos, nos quais ganhar a colheita é uma
honra maravilhosa, pessoas estão ansiosas para arriscar suas vidas, o
voluntariado é complicado. Mas no Distrito 12, onde a palavra tributo é como um
sinônimo para a palavra cadáver, voluntários são quase extintos.
“Amável!”
diz Effie Trinket. “Mas eu acredito que há um pequeno problema de introduzir o
vencedor da colheita e então perguntar por voluntários, e se alguém vem adiante
então nós, hum...” ela se perde, incerta.
“O que
isso importa?” diz o prefeito. Ele está olhando para mim com uma expressão de
dor no seu rosto. Ele não me conhece realmente, mas há um leve reconhecimento
aí. Eu sou a garota que traz os morangos. A garota sobre a qual sua filha deve
ter falando em uma ocasião. A garota que cinco anos atrás está de pé,
aconchegada a sua mãe e irmã, enquanto ele a presenteava, a filha mais velha,
com uma medalha de coragem. Uma medalha do pai dela, vaporizando nas minas. Ele
lembra daquilo? “O que isso importa?” ele repete bruscamente. “Deixe-a vir.”
Prim está
gritando histericamente atrás de mim. Ela está rodeando seus magros braços ao
meu redor como um vício. “Não, Katniss! Não! Você não pode ir!”
“Prim,
deixe,” eu digo roucamente, porque isso está me angustiando e eu não quero
chorar. Quando eles transmitirem na televisão a gravação das colheitas hoje a
noite, todos verão minhas lágrimas, e eu serei marcada como um alvo fácil. Uma
fraca. Eu não darei satisfação a ninguém. “Deixe!”
Eu posso
sentir alguém a puxando das minhas costas. Eu me viro e vejo Gale arrastando
Prim e ela batendo nos braços dele. “Agora é com você, Catnip,” ele diz, em uma
voz que está brincando para manter estável, e então ele carrega Prim para minha
mãe. Eu me endureço como aço e subo os degraus.
“Bem,
bravo!” emociona-se Effie Trinket. “Esse é o espírito dos Games!” Ela está
satisfeita que finalmente tem um distrito com um pouco de ação acontecendo.
“Qual é o seu nome?”
Eu engulo
rigidamente. “Katniss Everdeen,” digo.
“Eu
aposto meus botões que era sua irmã. Não queremos que ela roube toda glória,
queremos? Vamos, todo mundo? Vamos dar uma salva de palmas para nosso novo
tributo!” garganteia Effie Trinket.
Para o
último crédito das pessoas do Distrito 12, ninguém bateu palmas. Nem mesmo
aqueles segurando cupons de aposta, os que usualmente estão além de se
importar. Possivelmente porque eles me conhecem do Hob, ou conheciam meu pai,
ou tem encontrado Prim, a quem ninguém pode deixar de amar. Assim em vez de
aplausos de reconhecimento, eu fiquei em pé ali sem me mover enquanto eles
tomam parte na mais ousada forma de dissidência que ele podiam. Silêncio. Que
diz que eles não concordam. Nós não perdoamos. Todo isso está errado.
Então
algo inesperado acontece. No mínimo, eu não esperava porque não pensava no
Distrito 12 como um lugar que se importa comigo. Mas uma mudança tem ocorrido
desde que eu subi para tomar o lugar de Prim, e agora parece que eu tenho me
tornado uma pessoa preciosa. O primeiro, depois outro, então quase todos os
membros da multidão tocaram os três dedos do meio das suas mãos esquerdas para
os seus lábios e seguram por mim. É um velho e raro gesto usado no nosso
distrito, ocasionalmente visto em funerais. Significa obrigada, significa
admiração, significa adeus para alguém que você ama.
Agora eu
estou realmente em perigo de chorar, mas felizmente Haymitch escolhe essa hora
para vir vacilante pelo palco para me congratular. “Olhe para ela. Olha para
essa!” ele grita, atiram um braço ao redor dos meus ombros. Ele é surpreendente
forte para tal arruinado. “Eu gosto dela!” Sua respiração fede a licor e faz um
bom tempo desde quando ele tomou banho. “Muita...” Ele não pode pensar em uma
palavra por enquanto. “Bravura!” Ele diz triunfante. “Mais que vocês!” Ele me
solta e começa ir para a frente do palco. “Mais que vocês!” ele grita,
apontando para a câmera.
Ele está
se dirigindo a audiência ou ele está tão bêbado que ele podia na verdade estar
ridicularizando o Capitol? Eu nunca saberia porque justo quando ele estava
abrindo a boca para continuar, Haymitch cai fora do palco e fica inconsciente.
Ele é
nojento, mas estou grata. Com toda câmera alegremente treinando nele, eu tenho
só tempo o bastante para liberar um som pequeno e chocado da minha garganta e
me compor. Ponho minhas mãos atrás das minhas costas e olho para o distante.
Eu posso
ver as montanhas que eu subi essa manhã com Gale. Por um momento, eu sinto
saudade de algo... a idéia de nós partindo do distrito... fazendo nosso caminho
na floresta... mas eu sei que eu estava certa em não fugir. Por que quem mais
se voluntariaria por Prim? Haymitch é arrastado em uma maca, e Effie Trinket
está tentando rodar o globo novamente. “Que dia excitante!” ela gorjeia
enquanto tenta ajeitar sua peruca, que tinha deslizado um pouco para a direita.
“Mas mais excitação está por vir! É a hora de escolher nosso tributo garoto!”
Claramente esperando conter a situação do seu tênue cabelo, ela coloca uma mão
na sua cabeça enquanto atravessa o globo que contém os nomes dos garotos e
agarra o primeira tira que encontra. Ela move-se rápido de volta ao pódio, e eu
nem tenho tempo para desejar a segurança de Gale quando ela está lendo o nome.
“Peeta Mellark.”
Peeta
Mellark!
Oh, não,
eu penso. Não ele. Porque eu reconheço esse nome, embora eu nunca tenha falado
diretamente com o dono. Peeta Mellark.
Não, as
chances não estavam ao meu favor hoje. Eu o assisti enquanto ele fazia seu
caminho em direção ao pódio. Altura média, sólida estrutura, cabelos loiros
cinza que caem em ondas sobre sua testa. O choque do momento está registrado no
seu rosto, você pode ver que ele luta para se manter sem emoções, mas seus
olhos azuis mostram o alarme que eu vejo tão freqüentemente nas caças. Ainda
ele sobe firmemente o pódio e toma seu lugar.
Effie
Trinket pergunta por voluntários, mas ninguém dá um passo a frente. Ele tem
dois irmãos mais velhos, eu sei, tenho-os visto na padaria, mas um é
provavelmente velho demais agora para se voluntariar e o outro não vai. Esse é
o padrão. Devoção familiar só vai até aqui para a maioria das pessoas no dia da
colheita. O que eu fiz foi uma coisa radical.
O
prefeito começa a ler o longo e estúpido Tratado de Traição como ele faz todo
ano nesse ponto – é necessário – mas não estou escutando uma palavra.
Por que
ele? Eu penso. Então tento me convencer de que isso não importa. Peeta Mellark
e eu não somos amigos. Nem mesmo visinhos. Nós não nos falamos. Nossa única
real interação aconteceu anos atrás. Ele provavelmente esqueceu. Mas eu não e
sei que nunca vou...
Foi
durante o tempo pior. Meu pai tinha sido morto num acidente na mina três meses
mais cedo no janeiro mais amargo que qualquer um podia lembra. A paralisia da
perda dele tinha passado, e a dor me atingiria do nada, dobrando-me mais,
quebrando meu corpo em soluços. Onde você está? Eu gritava na minha mente. Onde
você foi? Claro, nunca havia alguma resposta.
O
distrito nos deu uma pequena quantia em dinheiro para compensar a sua morte, o
bastante para cobrir um mês de luto que era o tempo que minha mãe esperaria
para conseguir um trabalho. Só que ela não conseguiu. Ela não fez nada além de
sentar em uma cadeira ou, mais freqüentemente, aconchegada sob os cobertores na
sua cama, olhos fixos em algum ponto distante. De vez em quando, ela se
agitaria, levantava como se movida por um propósito urgente, só para então cair
dentro da paralisia. Nenhuma quantidade de pedidos de Prim pareceu afetá-la.
Eu estava
aterrorizada. Eu suponho agora que minha mãe estava trancada em algum escuro
mundo de tristeza, mas naquela hora, tudo o que eu sabia era que eu tinha
perdido não só meu pai, mas minha mãe também. Aos onze anos de idade, Prim com
apenas sete, eu assumi a chefia da família. Não havia escolha. Eu trouxe nossa
comida do mercado e cozinhei o melhor que pude e tentei manter Prim e eu
parecendo apresentável. Porque ficou claro que minha mãe não podia se importa
mais conosco, o distrito teria nos levado dela e nos colocado numa casa
comunitária. Cresci vendo essas crianças na escola. A tristeza, as marcas mãos
raivosas em seus rostos, a desesperança que curvava seus ombros. Eu nunca
poderia deixar isso acontecer a Prim. Docy, pequena Prim que chorou quando eu
chorei antes mesmo de saber a razão, que escovou e trançou o cabelo da minha
mãe antes de irmos para a escola. Que ainda polindo o espelho de barbear do pai
cada noite porque ele odiava a camada de pó de carvão que se instalava em todo
em Seam. A casa comunitária iria exterminá-la como um besouro. Então mantive nossa
situação difícil em segredo.
Mas o
dinheiro se foi e nós ficamos lentamente morrendo de fome. Não há outra forma
de dizer isso. Eu continuei dizendo a mim mesma se pudesse segurar até maio, só
8 de maio, eu completaria doze anos e seria capaz de me registrar pelo tesserae
e conseguir os preciosos grãos e óleo para nos alimentar. Só faltava ainda
algumas semanas. Nós poderíamos estar bem mortas até lá.
Morrer de
fome não é um destino incomum no Distrito 12. Quem não tinha visto as vítimas?
Pessoas velhas não podiam trabalhar. Crianças de uma família com muito para
alimentar. Aqueles machucados nas minas. Estendendo-se pelas ruas. E um dia,
você os vê sentados imóveis contra a parede ou deitados no Meadow, você escuta
o lamento de uma casa, e os Pacifistas são chamados para retomar o corpo.
Morrer de fome nunca é a oficial causa da morte. É sempre gripe, ou exposição,
ou pneumonia. Mas isso não engana ninguém.
Na tarde
do meu encontro com Peeta Mellark, a chuva estava caindo em implacáveis folhas
de gelo. Eu tinha estado na cidade, tentando negociar algumas roupas de bebê
velhas e gastas de Prim no mercado público, mas não havia conquistadores.
Embora eu tenha estado no Hob em algumas ocasiões com meu pai, estava muito
assustada para me aventurar dentro daquele lugar bruto e de areia sozinha. A
chuva tinha molhado toda a jaqueta de caça do meu pai, deixando-me resfriada
até os ossos. Por três dias, nós não tínhamos nada além de água fervida com
algumas folhas de hortelã velhas que eu tinha achado nos fundos do armário. Até
o momento que o mercado fechou, eu estava tremendo tão forte que eu deixei
minha trouxa de roupa de bebê em uma poça de lama. Não o peguei de volta por
medo de me ajoelhar e não conseguir recuperar meus pés. Além disso, ninguém
queria aquelas roupas.
Eu não
podia ir para casa. Porque em casa estava minha mãe com seus olhos mortos e
minha irmãzinha, com suas bochechas encovadas e lábios rachados. Não podia
andar dentro daquele quarto com o fogo fumarento dos galhos úmidos que eu
limpei no limite da floresta depois que o carvão tinha acabado, minhas bandas
vazias de qualquer esperança.
Eu me
encontrei tropeçando ao longo de uma pista enlameada atrás das lojas que servem
as pessoas mais ricas da cidade. Os comerciantes vivem acima de seus negócios,
assim eu estava essencialmente em seus quintais. Lembro que os contornos do
jardim não estavam plantados para primavera ainda, uma cabra ou duas no
cercado, um cão encharcado amarrado em um poste, curvado derrotado na lama.
Todas as formas de roubar eram proibidas no Distrito 12. Punição por morte. Mas
atravessou minha mente que deveria ter algo nas lixeiras, e essas eram caças
justas. Talvez um osso de açougueiro ou legumes podres da mercearia, algo que
ninguém além da minha família estava desesperada o bastante para comer.
Infelizmente as lixeiras estavam vazias.
Quando
passei do padeiro, o cheiro de pão fresco era tão esmagador que fiquei tonta. O
forno era nos fundos, e fulgor dourado derramou-se de porta aberta da cozinha.
Eu fiquei hipnotizada pelo calor e o cheiro agradável até a chuva interferir,
correndo como dedos gelados nas minhas costas, forçando-me a voltar à vida. Eu
levantei a tampa da lixeira do padeiro e a achei impecável e cruelmente vazia.
De
repente uma voz estava gritando para mim e eu olhei para cima para ver a mulher
do padeiro, dizendo para eu ir embora e se eu queria que ela ligasse para os
Pacifistas e o quão doente ela estava por ter esses pirralhos de Seam tocando o
lixo dela. As palavras eram feias e não tive nenhuma defesa. Enquanto
cuidadosamente recoloquei a tampa e me voltei para ir embora, eu o notei, um
garoto com cabelo loiro espiando atrás de sua mãe. Eu o tinha visto na escola.
Ele era do meu ano, mas eu não sabia o seu nome. Ele está com as crianças da
cidade, então como eu saberia? Sua mãe voltou para a padaria, resmungando, mas
ele deve ter ficando me olhando enquanto eu fazia meu caminho atrás da cerca
que segurava o porco deles e me inclinei no lado mais distante de um pé de
maçã. A realização de que eu não teria nada para levar para casa tinha
finalmente afundado. Meus joelhos entortaram e eu deslizei para as raízes da
árvore. Era demais. Eu estava doente e fraca e cansada, oh, tão cansada.
Deixe-os chamar os Pacificadores e nos tomar para a casa comunitária, eu pensei.
Ou melhor ainda, deixe-me morrer aqui mesmo na chuva.
Houve um
barulho na padaria e escutei uma mulher gritando de novo e o som de uma
bofetada, e eu vagamente me perguntei o que estava acontecendo. Pés surgiram na
minha direção e eu pensei, É ela. Ela está vindo me mandar embora com uma vara.
Mas não era ela. Era o garoto. Nos seus braços, ele carregava dois largos
pedaços de pão que devem ter caído no fogo por causa das crostas que estavam
queimadas.
Sua mãe
estava gritando, “Alimente o porco, sua criatura estúpida! Por que não? Ninguém
decente compraria pão queimado!”
Ele
começou a arrancar os pedados das peças queimadas e atirá-las no canal, e o
sino da frente da padaria tocou e a mãe desapareceu para ajudar o cliente.
O garoto
nunca lançou um olhar para o meu lado, mas eu estava assistindo-o. Por causa do
pão, por causa do machucado vermelho que estava na sua bochecha. Com o que ela
tinha batido nele?
Meus pais
nunca nos bateram. Eu não podia nem imaginar. O garoto olhou para trás, para a
padaria, como se checasse se o campo estava limpo, então, sua atenção voltou-se
para o porco, ele atirou um pedaço de pão na minha direção. O segundo
rapidamente se seguiu, e ele voltou para a padaria, fechando a porta da cozinha
firmemente.
Eu olhei
para os pedaços descrente. Eles estavam ótimos, realmente perfeitos, exceto
pelas partes queimadas. Ele quis dizer que eu podia tê-los? Ele devia. Porque
eles estavam aos meus pés. Antes que alguém pudesse testemunhar o que tivesse
acontecido, eu puxei os pedaços de pão para debaixo da minha camisa, agasalhei
a jaqueta de caça firmemente ao meu redor, e andei rapidamente. O calor do pão
queimava a minha pele, mas eu apertei com força, apegando à vida.
Na hora
que eu cheguei em casa, os pedaços tinham esfriado de alguma forma, mas dentro
ainda estava quente. Quando eu os coloquei na mesa, as mãos de Prim levantaram
para pegar um pedaço, mas eu a forcei a sentar, forcei minha mãe a se juntar a
mesa, e derramei chá quente. Raspei a parte preta e fatiei o pão. Nós comemos
um pedaço todo, fatia por fatia. Era um bom pão puro, cheio com passas e nozes.
Coloquei
minhas roupas para secas no fogo, arrastei-me para dentro da cama, e cai num
sono sem sonhos. Não me ocorreu até a manhã seguinte que o garoto devia ter
queimado o pão de propósito. Devia ter deixado cair os pedaços nas chamas,
sabendo que seria punido, e então os entregou a mim. Mas eu descartei isso.
Deve ter sido um acidente. Por que ele teria feito isso? Ele nem mesmo me
conhecia. Ainda, apenas me atirando o pão era uma enorme gentileza que teria
resultado em surra se descoberta. Eu não podia explicar suas ações.
Nós
comemos as fatias de pão no café da manhã e seguimos para a escola. Era como se
a primavera tivesse vindo durante a noite. Ar doce e quente. Nuvens macias. Na
escola, eu passei pelo garoto no corredor, sua bochecha tinha inchado e seu
olho estava escurecido. Ele estava com seus amigos e não me reconheceu de forma
nenhuma. Mas quando eu recolhi Prim e comecei a ir para casa naquela tarde, eu
o encontrei olhando para mim através do campo da escola. Nossos olhos se
encontraram apenas por um segundo, então ele virou a sua cara para longe. Eu
baixei meu olhar, embaraçada, e foi quando eu vi. A primeira planta do ano. Um
sino tocou na minha cabeça. Eu pensei nas horas passadas na floresta com meu
pai e eu sabia como nós iríamos sobreviver.
Para esse
dia, eu nunca posso abalar a ligação com esse garoto, Peeta Mellark, e o pão
que me deu esperança e a planta que me lembrou que eu não era condenada. E mais
de uma vez, eu estava no corredor da escola e peguei seus olhos me seguindo, só
para rapidamente se mover para longe. Eu sinto como se devesse a ele algo, e eu
odeio dever as pessoas. Talvez se eu tivesse o agradecido em algum ponto, eu
estaria me sentindo menos cheia de conflito agora. Eu pensei sobre isso um par
de vezes, mas a oportunidade nunca pareceu presente. E agora nunca vai parecer.
Porque nós vamos ser atirados em uma arena para brigar até a morte. Exatamente
como eu deveria trabalhar em um agradecimento lá? De qualquer forma não
pareceria sincero se eu tentasse cortar sua garganta.
O
prefeito termina o sombrio Tratado de Traição e gesticula para Peeta e eu
apertar as mãos. A mão dele era tão sólida e quente quando aqueles pedaços de
pão. Peeta olha para mim direto no olho e dá a minha mão o que eu penso que
significa ser um aperto tranqüilizador. Talvez fosse apenas um espasmo nervoso.
Nós nos
voltamos para encarar a multidão enquanto o hino de Panem toca.
Oh, bem,
eu penso. Haverá vinte e quatro de nós. Chances são de mais alguém matá-lo
antes de eu fazê-lo. É claro, as chances não estão muito confiáveis
ultimamente.
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No momento em que o hino acaba, somos levados em custódia. Eu não quero dizer que somos algemados ou algo, mas um grupo de Pacifistas nos marcha até as portas dianteiras do Prédio da Justiça. Talvez tributos tenham tentado escapar no passado. Eu nunca vi isso acontecer, contudo.
Uma vez
dentro, sou conduzida para uma sala e deixada sozinha. É o lugar mais rico em
que eu já estive, com tapetes grossos e espessos e um sofá de veludo e
cadeiras. Eu conheço veludo porque minha mãe tem um vestido com um colarinho
feito desse negócio. Quando eu sento no sofá, eu não posso evitar correr meus
dedos sobre o tecido repetidamente. Ele me ajuda a me acalmar enquanto eu tento
me preparar para a próxima hora. O tempo destinado para os tributos dizerem
adeus aos seus amados. Eu não posso me dar ao luxo de ficar chateada, de deixar
essa sala com olhos inchados e um nariz vermelho. Chorar não é uma opção.
Haverá mais câmeras na estação de trem.
Minha
irmã e minha mãe vêm primeiro. Eu me estico para Prim e ela sobe no meu colo,
seus braços ao redor do meu pescoço, a cabeça no meu ombro, bem como ela fazia
quando era um bebê. Minha mãe se senta ao meu lado e envolve seus braços ao
nosso redor. Por alguns minutos, não dizemos nada. Então eu começo a contar a
elas todas as coisas que elas devem lembrar fazer, agora que eu não estarei lá
para fazer isso por elas.
Prim não
deve pegar nenhum tesserae. Elas conseguirão sobreviver, se forem cuidadosas,
vendendo o leite e queijo de cabra da Prim e com o pequeno apotecário que a
minha mãe agora comanda para as pessoas em Seam. Gale lhes dará as ervas que
ela mesma vão plantar, mas ela deve tomar muito cuidado ao descrevê-las, porque
ele não está tão familiarizado com elas quanto eu. Ele também lhes trará caça –
e eu fizemos um pacto sobre isso há mais ou menos um ano – e provavelmente não
pedirá por compensação, mas elas deveriam agradecê-lo com algum tipo de troca,
como leite ou remédio.
Eu não
incomodo em sugerir à Prim que aprenda a caçar. Eu tentei ensiná-la algumas
vezes e foi desastroso. A floresta a aterrorizava, e quando eu atirava em
alguma coisa, ela ficava a beira de lágrimas e falava em como poderíamos
curá-lo se o levássemos para casa cedo o bastante. Mas ela se dá bem com sua
cabra, então eu me concentro nisso.
Quando eu
acabo com as instruções sobre combustível, e trocas, e ficar na escola, eu me
viro para minha mãe e agarro seu braço, duramente. “Me escute. Você está me
escutando?” Ela assente, assustada pela minha intensidade. Ela deve saber o que
está por vir. “Você não pode ir embora novamente,” eu digo. Os olhos da minha
mãe encontram o chão. “Eu sei. Eu não irei. Eu não pude evitar o quê –”
“Bem,
você tem que evitar dessa vez. Você não pode pular fora e deixar Prim por conta
própria. Não há mais eu para manter vocês duas vivas. Não importa o que
aconteça. O que quer que veja na tela. Você tem que me prometer que vai lutar
contra isso!” Minha voz se levantou para um grito. Nela está toda a raiva, todo
o medo que eu senti com seu abandono.
Ela puxa
seu braço do meu aperto, ela própria movida por raiva agora. “Eu estava doente.
Eu podia ter me tratado se eu tivesse os remédios que eu tenho agora.”
Aquela
parte sobre ela estar doente podia ser verdade. Eu tinha visto ela curar
pessoas que sofriam de tristeza imobilizante desde então. Talvez seja uma
doença, mas é uma que não podemos nos dar ao luxo.
“Então
tome-os. E tome conta dela!” Eu digo.
“Eu
ficarei bem, Katniss,” diz Prim, apertando meu rosto em suas mãos. “Mas você
tem que tomar cuidado também. Você é tão rápida e corajosa. Talvez possa
vencer.”
Eu não
posso vencer. Prim deve saber isso, em seu coração. A competição estará muito
além das minhas habilidades. Garotos de distritos mais ricos, onde ganhar é uma
grande honra, que treinaram suas vidas todas para isso. Garotos que são duas a
três vezes o meu tamanho. Garotas que conhecem vinte maneiras diferentes de te
matar com uma faca. Ah, haverá pessoas como eu também. Pessoas a serem
extirpadas antes que a verdadeira diversão comece. “Talvez,” eu digo, porque eu
não posso dizer a minha mãe para continuar se eu
mesma já desisti. Além do mais, não é da minha natureza
desistir sem lutar, mesmo quando as coisas parecem insuperáveis. “Então seremos
ricas como Haymitch.”
“Eu não
ligo realmente se somos ricos. Eu só quero que você volte para casa. Você
tentará, não tentará? Realmente, realmente tentará?” pergunta Prim.
“Realmente,
realmente tentarei. Eu juro,” eu digo. E eu sei, por causa de Prim, que terei
que.
E então o
Pacificador está na porta, sinalizando que nosso tempo acabou, e estamos todas
nos abraçando tão forte que dói e tudo o que eu digo é “eu amo vocês. Eu amo
vocês duas.” E elas dizem isso de volta e então o Pacificador ordena que elas
saiam e a porta fecha. Eu enterro minha cabeça em uma das almofadas de veludo
como se isso pudesse bloquear todo esse negócio.
Outra
pessoa entra na sala, e quando eu olho para cima, fico surpresa em ver que é o
padeiro, o pai de Peeta Mellark. Eu não acredito que ele veio me visitar.
Afinal de contas, eu tentarei matar seu filho em breve. Mas nós nos conhecemos
um pouco, e ele conhece Prim ainda melhor. Quando ela vende seu queijo de cabra
no Hob, ela deixa dois separados para ele e ele lhe dá uma generosa quantidade
de pão em troca. Nós sempre esperamos para trocar com ele quando a bruxa da
mulher dele não está por perto, porque ele fica bem mais bonzinho. Eu tenho
certeza de que ele nunca bateria no filho dele do jeito que ela bateu por causa
do pão queimado. Mas por que ele veio me ver? O padeiro se senta
desconfortavelmente na ponta de uma das cadeiras felpudas. Ele é um homem
grande de ombros largos com cicatrizes de queimaduras por causa dos anos passados
nos fornos. Ele deve ter acabado de dizer adeus ao seu filho.
Ele puxa
um pacote de papel branco do bolso de sua jaqueta e o segura para mim. Eu o
abri e achei biscoitos. Eles são um luxo que nunca podemos bancar.
“Obrigada,”
eu digo. O padeiro não é um homem muito falante, na melhor das ocasiões, e hoje
ele não solta nenhuma palavra. “Eu comi um pouco do seu pão essa manhã. Meu
amigo Gale lhe deu um esquilo por ele.” Ele assente, como se lembrando do
esquilo. “Não foi a sua melhor troca,” eu digo. Ele dá de ombros, como se isso
não tivesse importância.
Então eu
não consigo pensar em mais nada, então ficamos sentados em silêncio até que o
Pacificador o convoque. Ele se levanta e tosse para limpar sua garganta. “Eu
ficarei de olho na menininha. Para me certificar que ela está comendo.”
Eu sinto
um pouco da pressão no meu peito se aliviar com as palavras dele. As pessoas
lidam comigo, mas eles genuinamente adoram a Prim. Talvez haja adoração o
bastante para mantê-la viva.
Meu
próximo convidado também é inesperado. Madge anda diretamente até mim. Ela não
está chorosa ou evasiva, ao invés, há uma urgência no seu tom que me
surpreende. “Eles te deixam usar uma coisa do seu distrito na arena. Uma coisa
para lembrá-la de casa. Você usaria isso?” Ela segura um alfinete circular de
ouro que estava em seu vestido mais cedo. Eu não tinha prestado muita atenção
nele antes, mas agora eu vejo que é um pássaro pequeno voando.
“Seu
alfinete?” Eu digo. Usar uma lembrança do meu distrito é a última coisa na
minha mente.
“Aqui,
vou colocá-lo no seu vestido, está bem?” Madge não espera por uma respostas,
ela simplesmente se inclina e fixa o pássaro no meu vestido. “Promete que o
usará na arena, Katniss?” ela pergunta. “Promete?”
“Sim,” eu
digo. Biscoitos. Um alfinete. Estou recebendo toda a sorte de presentes hoje.
Madge me dá mais um. Um beijo na bochecha. Então ela se vai e eu fico pensando
que talvez Madge realmente tenha sido minha amiga todo esse tempo.
Finalmente,
Gale está aqui e talvez não haja nada de romântico entre nós, mas quando ele
abre seus braços, eu não hesito em ir neles. Seu corpo é familiar para mim – o
jeito como ele se move, o cheiro de fumaça de madeira, até mesmo o som de seu
coração batendo, que eu conheço de momentos silenciosos caçando – mas essa é a
primeira vez que eu realmente sinto-o, os músculos magros e fortes contra os
meu. “Escuta,” ele diz. “Pegar uma faca deve ser bem fácil, mas você tem que
colocar suas mãos num arco e flecha. É a sua melhor chance.”
“Eles nem sempre tem arcos e flechas,” eu digo, pensando no
ano onde só havia horríveis cetros cheios de esporões com que os tributos
tinham que acertar uns aos outros até a morte. “Então faça um,” diz Gale.
“Mesmo um arco e flecha fraco é melhor que nenhum arco e flecha.”
Eu
tentara copiar os arcos e flechas do meu pai com resultados fracos. Não é tão
fácil. Até ele tinha que jogar fora seu próprio trabalho de vez em quando.
“Eu nem
sei se haverá madeira,” eu digo. Em outro ano, eles jogaram todos em um cenário
com nada além de pedras e areia e arbustos imundos. Eu particularmente odiei
aquele ano. Muitos competidores foram mordidos por cobras venenosas ou ficaram
insanos por causa da sede.
“Há quase
sempre um pouco de madeira,” Gale diz. “Já que naquele ano metade deles
morreram de frio. Não há muito entretenimento nisso.”
É
verdade. Nós passamos um Hunger Games assistindo os jogadores congelarem até a
morte de noite. Você mal podia vê-los porque eles estavam contraídos em bolas e
não tinham madeira para fogueiras ou tochas ou qualquer coisa. Foi considerado
muito anti-climático no Capitol, todas aquelas mortes silenciosas e sem
derramamento de sangue. Desde então, geralmente há madeira pra fazer fogueiras.
“Sim,
geralmente tem um pouco,” eu digo.
“Katniss,
é apenas caçada. Você é a melhor caçadora que eu conheço,” diz Gale.
“Não é só
caçada. Eles estão armados. Eles pensam,” eu digo.
“Assim
como você. E você praticou mais. Prática real,” ele diz. “Você sabe como matar.”
“Não
pessoas,” eu digo.
“O quão
diferente pode ser, sério?” diz Gale carrancudamente.
O
horrível é que se eu conseguir esquecer que eles são pessoas, não será nem um
pouco diferente.
Os
Pacifistas voltam cedo demais e Gale pede por mais tempo, mas eles o estão
levando e eu começo a entrar em pânico. “Não as deixe morrer de fome!” Eu
gritei, unindo-me a sua mão.
“Eu não
deixarei! Você sabe que eu não deixarei! Katniss, lembre-se que eu –” ele diz,
e eles nos tiram de perto e batem a porta e eu nunca saberei o que é que ele
queria que eu me lembrasse.
É um
caminho curto do Prédio da Justiça até a estação de trem. Eu nunca estive num
carro antes. Raramente andei em vagões. Em Seam, nós viajamos a pé.
Eu estive
certa em não chorar. A estação está pululando de repórteres com suas câmeras
feito insetos instruídos diretamente no meu rosto. Mas eu pratiquei muito
apagar meu rosto de emoções e eu faço isso agora. Eu capturo um relampejo de
mim mesma na tela de televisão na parede que está transmitindo a minha chegada
ao vivo e me sinto grata por parecer quase entediada. Peeta Mellark, por outro
lado, obviamente esteve chorando e, mais interessante, não parece tentar cobrir
isso. Eu imediatamente me pergunto se essa será sua estratégia no Games.
Aparecer fraco e assustado, reassegurar aos outros tributos que ele não é
competição algum, e então sair lutando. Isso funcionou muito bem para uma
garota, Johanna Mason, do Distrito 7, há alguns anos. Ela parecia uma tola tão
choramingona e covarde que ninguém se incomodou com ela até que sobrou apenas
um punhado de participantes. Acontece que ela podia matar viciosamente. Bem
esperto, o jeito como ela jogou. Mas essa parece uma estratégia estranha para
Peeta Mellark, porque ele é filho do padeiro. Todos esses anos tendo o bastante
para comer e transportando bandejas de pão por aí o fizeram ter ombros largos e
fortes. Será preciso muita choradeira para convencer qualquer um a
negligenciá-lo.
Nós temos
que ficar de pé por alguns minutos na entrada do trem enquanto as câmeras
engolem as nossas imagens, então nos permitem entrar e as portas fecham
compassivamente atrás de nós. O trem começa a se mover de imediato.
A
velocidade inicialmente tira meu fôlego. É claro, eu nunca estive em um trem,
já que viagens entre distritos são proibidas, exceto para deveres oficialmente
sancionados. Para nós, isso quase sempre é transportar carvão. Mas esse não é
um trem normal de carvão. É um dos modelos de alta velocidade do Capitol que
chega a uma média de 402 quilômetros por hora. Nossa jornada para Capitol
levará menos que um dia.
Na
escola, eles nos dizem que Capitol foi construído num lugar que uma vez
chamara-se Montanhas Rochosas. O Distrito 12 estava numa região conhecida como
Appalachia. Mesmo há centenas de anos, eles exploravam carvão aqui. E é por
isso que nossos mineradores tem que escavar tão fundo.
De alguma
maneira, tudo se volta ao carvão na escola. Além de leitura e matemática
básica, a maioria das nossas instruções são relacionadas a carvão. Exceto pelas
aulas semanais de história de Panem. Na maior parte é um monte de tolices sobre
o que devemos a Capitol. Eu sei que deve ter mais do que eles nos dizem, uma
explicação real sobre o que aconteceu durante a rebelião. Mas eu não passo
muito tempo pensando nisso. Qualquer que seja a verdade, eu não vejo como ela
pode me ajudar a colocar comida na mesa.
O trem do
tributo é ainda mais chique do que a sala no Prédio da Justiça. É dado a cada
um de nós nossas próprias câmaras, que tem um quarto, um camarim, e um banheiro
privado com água quente e fria corrente. Nós não temos água quente em casa, a
não ser que a fervamos.
Há
gavetas cheias de roupas finas, e Effie Trinket me diz para fazer o que eu
quiser, usar o que eu quiser, tudo está a minha disposição. É só estar pronta
para o jantar em uma hora. Eu me retiro do vestido azul da minha mãe e tomo um
banho quente. Eu nunca tomei banho de chuveiro antes. É como estar em uma chuva
de verão, só que mais quente. Eu me visto com uma camisa e calça verde escura.
No último
minuto, eu me lembro do pequeno alfinete dourado da Madge. Pela primeira vez,
eu dou uma boa olhada nele. É como se alguém tivesse criado um pequeno pássaro
dourado e então anexado um anel ao redor. O pássaro está conectado ao anel só
pelas pontas da asa. Eu de repente o reconheci. Um mockinjay. Eles são pássaros
estranhos e meio que um tapa na cara de Capitol. Durante a rebelião, o Capitol
reproduziu uma série de animais geneticamente alterados como armas. O termo
comum para eles era muttações, ou às vezes mutts, como apelido. Um era um
pássaro especial chamado jabberjay que tinha a habilidade de memorizar e
repetir conversas humanas inteiras. Eles eram pássaros residentes,
exclusivamente masculinos, que eram soltos em regiões onde era sabido que os
inimigos de Capitol estavam escondidos. Após os pássaros coletarem palavras,
eles voavam de volta aos centros para ser gravados. Levou um tempo para as
pessoas perceberem o que estava acontecendo nos distritos, como conversas
privadas estavam sendo transmitidas. Então, é claro, os rebeldes alimentaram
Capitol com inúmeras mentiras, e a piada começou. Então os centros foram
fechados e os pássaros abandonados para morrer na selva.
Só que
eles não morreram. Ao invés, os jabberjays se acasalaram com mockinbirds
fêmeas, criando uma nova espécie que conseguia replicar tanto os assobios dos
pássaros quando as melodias humanas. Eles perderam a habilidade de enunciar
palavras, mas ainda conseguiam mimicar uma cadeia de sons vocais humanos, de um
gorjeio agudo de uma criança até os tons profundos de um homem. E eles
conseguiam recriar canções. Não só poucas notas, mas canções inteiras com
múltiplos versos, se você tivesse paciência para cantar para eles e se eles
gostassem da sua voz.
Meu pai
era particularmente afeiçoado aos mockinjays. Quando saíamos para caçar, ele
assobiava ou cantava canções complicadas para eles e, após uma pausa educada,
eles sempre cantavam de volta. Nem todos são tratados com tanto respeito. Mas
sempre que meu pai cantava, todos os pássaros na área caiam no silêncio e
escutavam. Sua voz era tão bonita, alta e clara e tão cheia de vida que fazia
você querer rir e chorar ao mesmo tempo. Eu nunca consegui me forçar a
continuar a praticar depois que ele partiu. Ainda assim, há algo de confortante
no passarinho. É como ter um pedaço do meu pai comigo, me protegendo. Eu prendo
o alfinete na minha camisa, e com o tecido verde escuro de fundo, eu quase
consigo imaginar o mockinjay voando pelas árvores.
Effie
Trinket vem me buscar para o jantar. Eu a sigo por um corredor estreito e
chacoalhante até a sala de jantar com refinadas paredes almofadadas. Há uma
mesa onde todos os pratos
são altamente quebráveis. Peeta Mellark está sentado
esperando por nós, a cadeira próxima a ele vazia.
“Onde
está Haymitch?” pergunta Effie Trinket alegremente.
“Da
útlima vez que eu o vi, ele disse que ia tirar uma soneca,” diz Peeta.
“Bem, foi
um dia exaustivo,” diz Effie Trinket. Eu acho que ela está aliviada pela
ausência de Haymitch, e quem pode culpá-la?
O jantar
vem em porções. Uma espessa sopa de cenoura, salada verde, costeletas de
carneiro e purê de batata, queijo e fruta, um bolo de chocolate. Durante a
refeição, Effie Trinket fica nos lembrando para guardar lugar, porque há mais
por vir. Mas eu estou me empanturrando porque nunca tive comida como essa
antes, tão boa e tão farta, e porque provavelmente a melhor coisa que eu posso
fazer entre agora e os Games é engordar alguns quilos. “Pelo menos vocês dois
tem boas maneiras,” diz Effie enquanto terminamos o prato principal. “O par do
ano passado comeu tudo com as mãos como dois selvagens. Perturbou completamente
minha digestão.”
O par do
ano passado foram duas crianças de Seam que nunca, nem por um dia em suas
vidas, tiveram o bastante para comer. E quando eles tinham comida, maneiras a
mesa eram certamente a última coisa em suas mentes. Peeta é filho do padeiro.
Minha mãe ensinou Prim e eu a comer propriamente, então sim, eu sei lidar com
um garfo e uma faca. Mas eu odeio tanto o comentário de Effie Trinket que eu
tomo nota de comer o resto da minha refeição com meus dedos. Então eu limpo
minhas mãos na toalha de mesa. Isso a fez franzir seus lábios apertadamente
juntos.
Agora que
a refeição acabou, eu estou lutando para manter a comida no lugar. Eu posso ver
que Peeta está um pouquinho verde também. Nenhum dos nossos estômagos está
acostumado a um cardápio tão rico. Mas se eu consigo segurar o preparado de
carne de rato, entranhas de porco, e casca de árvore da Greasy Sae – uma
especialidade do inverno – eu estou determinada a segurar isso.
Nós vamos
a outro compartimento para assistir o recapitulamento das colheitas por Panem.
Eles tentam balancearem-nas durante o dia para que uma pessoa possa
concebivelmente assistir o negócio todo ao vivo, mas só pessoas em Capitol
podem realmente fazer isso, já que nenhuma delas tem que atender colheitas
pessoalmente.
Uma por
uma, vemos as outras colheitas, os nomes chamados, os voluntários se
apresentando ou, mais frequentemente, não. Nós examinamos os rostos das
crianças que serão nossa competição. Algumas se destacam na minha mente. Um
garoto monstruoso que se lança a frente para se voluntariar pelo Distrito 2.
Uma garota de rosto astuto com cabelo vermelho liso do Distrito 5. Um garoto
com um pé inválido do Distrito 10. E, mais assustador, uma garota de doze anos
do Distrito 11. Ela tem pele e olhos marrom escuros, mas fora isso, ela é bem
parecida com Prim no tamanho e no comportamento. Só que quando ela sobe no
palco e eles pedem por voluntários, tudo o que você consegue ouvir é o vento
assoprando pelos prédios decrépitos ao redor dela. Ninguém deseja tomar seu
lugar.
Por
último, eles mostram o Distrito 12. Prim sendo chamada, eu correndo a frente
para me voluntariar. Você não consegue deixar passar o desespero em minha voz
enquanto eu empurro Prim para trás de mim, como se eu tivesse medo de que
ninguém iria ouvir e eles tomassem Prim. Mas, é claro, eles ouvem. Eu vejo Gale
puxando-a de mim e observo a mim mesma subir no palco. Os comentaristas não tem
certeza do que dizer sobre a recusa da multidão em aplaudir. A saudação
silenciosa. Um diz que o Distrito 12 sempre foi um tanto atrasado, mas que
costumes locais podem ser charmosos. Bem no momento correto, Haymitch cai do
palco, e eles berram comicamente. O nome de Peeta é sorteado, e ele
silenciosamente toma seu lugar. Nós apertamos as mãos. Eles cortam para o hino
novamente, e o programa acaba.
Effie
Trinket está decepcionada sobre o estado que sua peruca se encontrava. “Seu
mentor tem muito o que aprender sobre apresentação. Muito sobre comportamento
televisivo.”
Peeta ri inesperadamente. “Ele estava bêbado,” diz Peeta.
“Ele fica bêbado todo ano.”
“Todo
dia,” eu acrescento. Eu não posso evitar forçar um pouco o riso. Effie Trinket
faz soar como se Haymitch tivesse simplesmente algumas maneiras brutas que
pudessem ser corrigidas com algumas dicas dela.
“Sim,”
sibila Effie Trinket. “Que estranho vocês dois acharem isso engraçado. Vocês
sabem que seu mentor é sua corda de salvação ao mundo nesses Games. Aquele que
o aconselha, encarreira seus patrocinadores, e dita a apresentação de qualquer
presente. Haymitch pode muito bem ser a diferença entre a sua vida e a sua
morte!”
Bem
então, Haymitch tropeça para dentro do compartimento. “Eu perdi o jantar?” ele
diz numa voz indistinta. Então ele vomita sobre todo o tapete caro e cai na
bagunça.
“Então
riam a vontade!” diz Effie Trinket. Ela salta ao redor da piscina de vômito em
seus sapatos de bico fino e foge da sala.
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