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Cada célula do meu corpo quer
que eu mergulhe no cozido e coma até me satisfazer, jogando punhado atrás de
punhado em minha boca. Mas a voz de Peeta me para. "É melhor irmos com
calma nesse cozido. Lembra-se da primeira noite no trem? A comida farta me
deixou doente e eu não estava nem mesmo morrendo de fome, então."
"Você está certo. E eu
poderia simplesmente inalar o negócio todo!" eu digo arrependidamente. Mas
não o faço. Estamos muito sensíveis. Cada um de nós pega um rolinho, metade de
uma maçã, e uma porção do tamanho de um ovo de cozido e arroz. Eu me forço a
comer o cozido em pequeninas colheradas – eles nós mandaram até mesmo talheres
e pratos – saboreando cada mordida. Quando terminamos, eu encaro ansiosamente o
prato. "Eu quero mais."
"Eu também. Te digo uma
coisa. Esperamos uma hora, se continuar desse jeito, então nós nos servimos de
novo," diz Peeta.
"Acertado," eu digo.
"Vai ser uma longa hora."
"Talvez não tanto,"
diz Peeta. "O que foi que você estava dizendo logo antes da comida chegar?
Algo sobre mim... nenhuma competição... melhor coisa que já aconteceu com
você..."
"Eu não me lembro dessa
última parte," eu digo, esperando que esteja muito turvo aqui para as
câmeras captarem meu rubor.
"Ah, está certo. Isso era
o que eu estava pensando," diz ele. "Chega mais, eu estou
congelando."
Eu abro espaço para ele no saco
de dormir. Nós nos encostamos contra a parede da caverna, a minha cabeça em seu
ombro, seus braços em volta de mim. Eu posso sentir Haymitch me cutucando para
continuar com o ato. "Então, desde que tínhamos cinco, você nunca nem
notou outras garotas?" Eu lhe pergunto.
"Não, eu notei quase todas
as garotas, mas nenhuma delas deixou uma impressão duradoura, só você,"
ele diz.
"Tenho certeza de que seus
pais ficariam animados, você gostando de uma garota de Seam," eu digo.
"Dificilmente. Mas eu não
poderia me importar menos. De qualquer forma, se voltarmos, você não será uma
garota de Seam, você será uma garota da Vila dos Vitoriosos," ele diz.
Está certo. Se vencermos, cada
um irá ganhar uma casa na parte da cidade reservada para os vitoriosos do
Hunger Games. Há muito tempo, quando os Games começaram, o Capitol construíra
uma dúzia de casas chiques em cada distrito. É claro, no nosso apenas uma está
ocupada. A maioria das outras nunca teve moradores.
Um pensamento perturbador me
atinge. "Mas então, o nosso único vizinho será Haymitch!"
"Ah, isso vai ser
bom," diz Peeta, apertando seus braços ao meu redor. "Você e eu e
Haymitch. Muito acolhedor. Piqueniques, aniversários, longas noites de inverno
ao redor da fogueira recontando velhos contos do Hunger Games."
"Eu te disse, ele me
odeia!" eu digo, mas não posso deixar de rir com a imagem de Haymitch se
tornando meu novo amigo.
"Só às vezes. Quando ele
está sóbrio, eu nunca o ouvi dizer uma coisa negativa sobre você," diz
Peeta.
"Ele nunca está
sóbrio!" eu protesto.
"Está certo. Em quem estou
pensando? Ah, sei. É Cinna quem gosta de você. Mas isso é principalmente porque
você não tentou fugir quando ele botou fogo em você," diz Peeta. "Por
outro lado, Haymitch... bem, se eu fosse você, eu evitaria Haymitch
completamente. Ele te odeia."
"Eu pensei que você tinha
dito que eu era a sua favorita," eu digo.
"Ele me odeia mais,"
diz Peeta. "Eu não acho que as pessoas, de um modo geral, sejam suas
coisas favoritas."
Eu sei que o público apreciará
nós nos divertindo às custas de Haymitch. Ele tem estado por perto há tanto
tempo, ele é praticamente um velho amigo de alguns deles. E depois de seu
mergulho de cabeça para fora do palco na colheita, todo mundo o conhece. A esta
altura, eles terão arrastado-o para fora da sala de controle para entrevistas
sobre nós. Não há como prever que tipo de mentiras ele inventou. Ele tem uma
espécie de desvantagem porque a maioria dos mentores tem um parceiro, um outro
vencedor para ajudá-lo, enquanto que Haymitch tem que estar pronto para entrar
em ação a qualquer momento. Meio que como eu quando estava sozinha na arena. Eu
me pergunto como ele está aguentando, com a bebida, a atenção, e o stress de
tentar nos manter vivos.
É engraçado. Haymitch e eu não
nos damos bem em pessoa, mas talvez Peeta esteja certo sobre nós sermos
parecidos, porque ele parece ser capaz de se comunicar comigo pelo sincronismo
dos seus presentes.
Como eu saber que tinha que
estar perto de água quando ele a negou e como eu sabia que o xarope do sono não
era apenas algo para aliviar a dor de Peeta e como agora eu sei que eu tenho
que bancar o romance. Ele não fez muito esforço para se conectar com Peeta, na
verdade. Talvez ele ache que uma tigela de caldo de carne seria apenas uma
tigela de caldo de carne para Peeta, enquanto eu veria as restrições que viriam
com ela.
Um pensamento me atinge, e eu
estou espantada que a pergunta tenha levado tanto tempo para aparecer. Talvez
seja porque só recentemente comecei a ver Haymitch com um grau de curiosidade.
"Como você acha que ele fez isso?"
"Quem? Fez o quê?"
Peeta pergunta.
"Haymitch. Como você acha
que ele ganhou os Games?" eu digo.
Peeta considera isto por um bom
tempo antes de responder. Haymitch é muito robusto, mas não tem um físico de se
admirar como Cato ou Thresh. Ele não é particularmente bonito. Não da maneira
que faz com que patrocinadores façam chover presentes para você. E ele é tão
grosseiro, é difícil imaginar alguém unindo-se a ele. Há apenas uma maneira de
Haymitch poder ter vencido, e Peeta diz bem quando eu mesma estou chegando a
essa conclusão.
"Ele foi mais esperto que
os outros," diz Peeta.
Aceno, então deixo a conversa
acabar. Mas secretamente estou me perguntando se Haymitch ficou sóbrio o
suficiente para ajudar Peeta e eu porque achou que poderíamos ter a
inteligência para sobreviver.
Talvez ele nem sempre tenha
sido um bêbado. Talvez, no começo, ele tentou ajudar os tributos. Mas depois
ficou insuportável. Deve ser um inferno ser mentor de duas crianças e depois
vê-las morrer. Ano após ano após ano. Percebo que se eu sair daqui, isso se
tornará o meu trabalho. Ser a mentora da menina do Distrito 12. A ideia é tão
repelente, eu a empurro da minha mente.
Cerca de meia hora se passa
antes de decidir que tenho que comer de novo. O próprio Peeta está com muita
fome para discutir.
Enquanto eu estou servindo mais
duas pequenas porções de cozido de carneiro e arroz, nós ouvimos o hino começar
a tocar. Peeta pressiona seus olhos contra uma fenda na rocha para ver o céu.
"Não haverá nada para ver
hoje à noite," eu digo, muito mais interessada no cozido do que o céu.
"Nada aconteceu ou nós teríamos ouvido um canhão."
"Katniss," Peeta diz
calmamente.
"O quê? Devemos dividir
outro rolinho, também?" Eu pergunto.
"Katniss," ele
repete, mas eu me encontro querendo ignorá-lo.
"Eu vou dividir um. Mas eu
vou poupar o queijo para amanhã," eu digo. Vejo Peeta olhando para mim.
"O quê?"
"Thresh está morto,"
diz Peeta.
"Ele
não pode estar," eu digo.
"Eles devem ter disparado
o canhão durante o trovão e nós perdemos," diz Peeta.
"Você tem certeza? Quer
dizer, está chovendo canivetes lá fora. Eu não sei como você consegue ver
alguma coisa," eu digo. Eu o afasto das rochas e espremo meus olhos para o
céu escuro e chuvoso. Por cerca de dez segundos, eu vislumbro uma imagem
distorcida de Thresh e então ele se vai. Bem assim.
Eu desmorono pelas rochas,
esquecendo momentaneamente da tarefa às mãos. Thresh está morto. Eu deveria
estar feliz, certo?
Menos um tributo a encarar. E
um poderoso também. Mas eu não estou feliz. Tudo em que posso pensar é em
Thresh me deixando ir, deixando-me correr por causa da Rue, que morreu com
aquela lança em seu estômago...
"Você está bem?"
pergunta Peeta.
Eu dou de ombros evasivamente e
seguro meus cotovelos com as minhas mãos, abraçando-os perto do meu corpo. Eu
tenho que enterrar a dor verdadeira, porque quem vai apostar em um tributo que
fica choramingando a morte de seus adversários? Rue era uma coisa. Éramos
aliadas. Ela era tão jovem. Mas ninguém vai entender a minha tristeza pelo
assassinato de Thresh. A palavra me para bruscamente. Assassinato! Felizmente,
eu não disse em voz alta. Isso não vai me ganhar nenhum ponto na arena. O que
eu digo é, "É só que... se não ganhássemos... Eu queria que Thresh
ganhasse. Porque ele me deixou ir. E por causa da Rue."
"Sim, eu sei," diz
Peeta. "Mas isso significa que estamos um passo mais perto do Distrito
Doze." Ele empurra um prato de comida nas minhas mãos. "Coma. Ainda
está quente."
Eu dou uma mordida no cozido
para mostrar que eu realmente não me importo, mas é como cola na minha boca e é
um grande esforço engolir. "Significa também que Cato vai voltar a nos
caçar."
"E ele tem suprimentos de
novo," diz Peeta.
"Ele estará ferido, eu
aposto," eu digo.
"O que te faz dizer isso?"
Peeta pergunta.
"Porque Thresh nunca teria
sucumbido sem uma luta. Ele é tão forte, quero dizer, ele era. E eles estavam
em seu território," eu digo.
"Que bom," diz Peeta.
"Quanto mais Cato estiver ferido, melhor. Eu me pergunto como a Foxface
está se virando."
"Oh, ela está bema,"
eu digo irritada. Eu ainda estou com raiva que ela pensou em se esconder na
Cornucópia e eu não. "Provavelmente será mais fácil pegar Cato do que
ela."
"Talvez eles irão se pegar
nós poderemos simplesmente ir para casa," diz Peeta. "Mas é melhor
termos cuidado extra com as vigilâncias. Eu cochilei algumas vezes."
"Eu também," eu
admito. "Mas não hoje."
Nós terminamos nossa comida em
silêncio e depois Peeta se oferece para ficar com a primeira vigilância. Eu me
enterro profundamente no saco de dormir ao lado dele, puxando meu capuz sobre o
meu rosto para escondê-lo das câmeras. Eu só preciso de alguns momentos de
privacidade onde eu posso deixar qualquer emoção cruzar o meu rosto sem ser
vista. Sob o capuz, eu silenciosamente digo adeus ao Thresh e agradeço-lhe pela
minha vida. Eu prometo me lembrar dele e, se eu puder, fazer algo para ajudar
sua família e a de Rue, se eu ganhar. Então eu escapo para o sono, confortável
por uma barriga cheia e o calor constante de Peeta ao meu lado.
Quando Peeta me acorda mais
tarde, a primeira coisa que eu registro é o cheiro de queijo de cabra. Ele está
segurando metade de um rolinho aberto com o negócio branco cremoso e coberto
com fatias de maçã. "Não fique brava," diz ele. "Eu tive que
comer de novo. Aqui está a sua metade."
"Oh, bom,” eu disse,
imediatamente dando uma mordida enorme. O queijo gordo e forte tem gosto
daqueles que a Prim faz, as maçãs são doces e crocantes. "Hmm."
"Fazemos uma torta de
queijo de cabra e maçã na padaria," diz ele.
"Aposto que é caro,"
eu digo.
“Caro demais para a minha
família comer. A não ser que tenha ficado muito estragado. É claro,
praticamente tudo o que comemos é estragado," diz Peeta, puxando o saco de
dormir em torno dele. Em menos de um minuto, ele está roncando.
Hum. Eu sempre assumi que os
lojistas tinham uma vida mole.
E é verdade, Peeta sempre teve
o suficiente para comer. Mas é meio deprimente ter que viver sua vida de pão
dormido, das fornadas duras e secas que ninguém mais queria. Uma coisa sobre
nós, já que trago a nossa comida para casa diariamente, é que a maioria está
tão fresca que você tem que se certificar de que ela não vai fugir.
Em algum momento durante o meu
turno, a chuva para, não gradualmente, mas de uma vez só. O aguaceiro acaba e
há apenas os gotejamentos residuais de água dos galhos, a pressa do córrego
agora transbordando abaixo de nós. Uma linda lua cheia emerge, e mesmo sem os
óculos eu posso ver o lado de fora. Eu não consigo decidir se a lua é real ou
apenas uma projeção dos Gamemakers. Eu sei que estava cheia pouco antes de sair
de casa. Gale e eu assistimo-a subir à medida que caçavamos nas horas tardias.
Quanto tempo eu estive fora?
Suponho que se passaram cerca de duas semanas na arena, e houve aquela semana de
preparação em Capitol. Talvez a lua tenha completado seu ciclo.
Por alguma razão, eu quero
muito que seja a minha lua, a mesma que eu vejo da floresta em torno do
Distrito 12. Isso me daria algo para me agarrar no mundo surreal da arena onde
a autenticidade de tudo deve ser duvidada.
Quatro de nós restantes.
Pela primeira vez, permito-me
realmente pensar na possibilidade de que poderia voltar para casa. Para a fama.
Para a riqueza. Para minha própria casa na Vila dos Vitoriosos. Minha mãe e
Prim viveriam lá comigo. Nada mais de medo da fome. Um novo tipo de liberdade.
Mas então... o quê? Como seria a minha vida diária? A maior parte dela foi
consumida com a aquisição de comida. Tire isso e eu não tenho muita certeza
sobre quem eu realmente sou, qual é a minha identidade. A ideia me assusta um
pouco. Penso em Haymitch com todo o seu dinheiro. O que sua vida se tornou? Ele
vive sozinho, sem esposa ou filhos, a maior parte de seus horas despertas ele
está bêbado. Eu não quero acabar assim.
"Mas você não estará
sozinha," eu sussurro para mim mesma. Eu tenho minha mãe e Prim. Bem, por
enquanto. E depois... eu não quero pensar no depois, quando Prim tiver
crescido, minha mãe falecido. Eu sei que nunca vou me casar, nunca arriscarei
trazer uma criança ao mundo. Porque se há uma coisa que ser um vitorioso não
garante, é a segurança de seus filhos. Os nomes dos meus filhos iriam direto
para as bolas de colheita como os de todo mundo. E eu juro que nunca vou deixar
que isso aconteça.
O sol eventualmente nasce, sua
luz deslizando pelas fendas e iluminando o rosto de Peeta. Em quem ele vai se
transformar se voltarmos para casa? O garoto desconcertante e de bom caráter
que pode prolongas mentiras tão convincentes que toda a Panem acredita que ele
é perdidamente apaixonado por mim, e, admito, há momentos em que ele me faz
acreditar nisso? Pelo menos, seremos amigos, eu penso. Nada mudará o fato de
que salvamos as vidas uns dos outros aqui. E além disso, ele será sempre o
menino com o pão. Bons amigos. Qualquer coisa além disso, contudo... e sinto os
olhos cinzentos de Gale observando eu observar Peeta, lá no Distrito 12.
Desconforto me faz mover. Eu me
aproximo mais e chacoalho o ombro de Peeta. Seus olhos se abrem sonolentamente
e quando se concentram em mim, ele me puxa para um longo beijo.
"Estamos perdendo tempo de
caça," eu digo quando finalmente rompo o beijo.
"Eu não chamaria isso de
desperdício," diz ele se esticando bastante enquanto se senta. "Então
caçamos de estômago vazio para nos dar uma vantagem?"
"Nós não," eu digo.
"Nós nos entupimos para nos dar poder de resistência."
"Conte comigo," diz
Peeta. Mas posso ver que ele fica surpreso quando divido o resto do cozido e do
arroz e dou-lhe um prato completo. "Tudo isso?"
"Nós ganharemos isso de
volta hoje," eu digo, e ambos avançamos em nossos pratos. Mesmo frio, é
uma das melhores coisas que eu já provei. Eu abandono o meu garfo e raspo os
últimos punhados de molho com o meu dedo. "Eu posso sentir Effie Trinket
estremecendo com a minha educação."
"Ei, Effie, veja
isso!" diz Peeta. Ele joga seu garfo por cima do ombro e literalmente
lambe o prato até ficar limpo com a língua, fazendo sons altos de satisfação.
Então ele sopra um beijo pra ela e grita, "Nós sentimos sua falta,
Effie!"
Eu cubro a boca com a mão, mas
estou rindo. "Pare! Cato pode estar logo do lado de fora de nossa
caverna."
Ele pega a minha mão. "O
que me importa? Eu tenho você para me proteger agora," diz Peeta,
puxando-me para ele.
"Vamos," eu digo
exasperada, desembaraçando-me do seu aperto, mas não antes que ele receba outro
beijo.
Uma vez que embalamos tudo e
estamos do lado de fora de nossa caverna, o nosso humor muda para um sério. É
como se, pelos últimos dias, protegidos pelas rochas e da chuva e da
preocupação de Cato com Thresh, nos foi dado uma pausa, uma espécie de férias.
Agora, embora o dia esteja ensolarado e quente, ambos sentimos que estamos
realmente de volta nos Games. Eu entrego minha faca para Peeta, já que
quaisquer armas que ele já possuíra se foram há muito, e ele desliza-as para
seu cinto. Minhas últimas sete flechas - das doze eu sacrifiquei três na
explosão, duas no banquete - chocalham um pouco perdidas na aljava. Eu não
posso me dar ao luxo de perder mais.
"Ele estará nos caçando
agora," diz Peeta. "Cato não é um de esperar sua presa passar por
perto."
"Se ele estiver
ferido-" eu começo.
"Não importará,"
Peeta interrompe. "Se ele puder se mover, ele está vindo."
Com toda a chuva, o córrego
invadiu suas margens em vários metros de cada lado. Paramos lá para repor a
nossa água. Eu verifico as armadilhas que montei dias atrás e fico sem nada.
Não é de se estranhar com esse tempo. Além do mais, eu não vi muitos animais ou
sinais deles nesta área.
"Se queremos comida, é
melhor voltarmos ao meu antigo território de caça," eu digo.
"Você que manda. Apenas me
diga o que você precisa que eu faça," diz Peeta.
"Fique de olho," eu
digo. "Fica nas pedras o tanto quanto possível, não há sentido em
deixar-lhe pistas para seguir. E ouça por nós dois." Está claro, a este
ponto, que a explosão destruiu a audição na minha orelha esquerda de vez.
Eu andaria na água para cobrir
as nossas pistas completamente, mas não tenho certeza se a perna do Peeta
poderia aguentar a corrente. Embora os remédios tenham apagado a infecção, ele
ainda está muito fraco. Minha testa dói ao longo do corte da faca, mas depois
de três dias o sangramento parou. Eu uso uma bandagem em volta da minha cabeça,
contudo, apenas no caso do esforço físico fazer ela voltar.
À medida enquanto nos dirigimos
ao lado do córrego, passamos pelo lugar onde eu encontrei Peeta camuflado nas
ervas daninhas e lama. Uma coisa boa, entre a chuva e as margens inundadas, é
que todos os sinais de seu esconderijo foram eliminados. Isso significa que, se
for necessário, podemos voltar à nossa caverna. Caso contrário, eu não
arriscaria com Cato atrás de nós.
Os pedregulhos diminuem para
rochas que eventualmente viram pedrinhas, e então, para meu alívio, estamos de
volta para folhas de pinheiro e a inclinação gentil do chão da floresta. Pela
primeira vez, percebo que temos um problema. Navegando pelo terreno rochoso com
uma perna ruim - bem, você naturalmente irá fazer algum ruído. Mas mesmo na
cama lisa de folhas, Peeta é barulhento. E eu quero dizer barulhento barulhento,
como se ele estivesse pisando forte ou algo assim. Eu me viro e olho para ele.
"O quê?" ele
pergunta.
"Você tem que mover-se
mais silenciosamente,” eu digo. "Esqueça o Cato, você está espantando cada
coelho em um raio de dezesseis quilômetros."
"Sério?" ele diz.
"Desculpe, eu não sabia."
Então, começamos de novo e ele
está um pouquinhozinho melhor, mas mesmo com apenas uma orelha funcionando, ele
está me fazendo pular.
"Você pode tirar as suas
botas?" eu sugiro.
"Aqui?" ele pergunta
ele incrédulo, como se eu tivesse lhe pedido para andar descalço sobre brasas
ou algo assim. Eu tenho que me lembrar que ele ainda não está acostumado com a
floresta que é o lugar assustador e proibido para além das cercas do Distrito
12. Eu penso em Gale, com seu piso de veludo. É assombroso o quão pouco som ele
produz, mesmo quando as folhas caíram e é um desafio mover-se sem espantar a
caça. Tenho certeza de que ele está rindo lá em casa.
"Sim," eu disse
pacientemente. "Eu também tirarei. Dessa forma, nós dois vamos ficar mais
silenciosos." Como se eu estivesse fazendo barulho. Assim ambos nos
livramos de nossas botas e meias e, enquanto há alguma melhora, eu poderia
jurar que ele está fazendo um esforço para quebrar cada ramos que encontramos.
Não é preciso dizer que, embora
tenham se passado várias horas para chegar ao meu antigo acampamento com a Rue,
eu não atirei em nada. Se a corrente se acalmasse, peixes poderiam ser uma
opção, mas a correnteza ainda é muito forte. Enquanto paramos para descansar e
beber água, eu tento encontrar uma solução. Idealmente, eu despejaria Peeta
agora com alguma tarefa simples de coletar raízes e iria caçar, mas então ele
ficaria com apenas uma faca para se defender contra as lanças e a força
superior de Cato. Então o que eu realmente gostaria é tentar escondê-lo num
lugar seguro, então ir caçar e voltar e recolhê-lo.
Mas tenho a sensação de que seu
ego não vai aceitar essa sugestão.
"Katniss," diz ele.
"Nós precisamos nos dividir. Eu sei que estou espantando a caça."
"Só porque sua perna está
machucada," eu digo com generosidade, porque, realmente, dá pra dizer que
isso é apenas uma pequena parte do problema.
"Eu sei," ele diz.
"Então, por que você não segue em frente? Mostre-me algumas plantas para
coletar e dessa maneira ambos seremos úteis."
“Não se o Cato vier e te
matar." Eu tentei dizer isso de uma maneira agradável, mas ainda soa como
se eu achasse que ele é fraco.
Surpreendentemente, ele apenas
ri. "Olha, eu posso lidar com o Cato. Lutei com ele antes, não
lutei?"
É, e isso deu muito certo. Você
acabou morrendo em uma orla de lama. É o que eu quero dizer, mas não posso. Ele
realmente salvou minha vida ao lutar contra o Cato, afinal. Eu tento outra
tática. "E se você subir em uma árvore e agisse como vigia enquanto eu caço?"
eu digo, tentando fazer isso soar como um trabalho muito importante.
"E se você me mostrar o
que é comestível por aqui e ir nos buscar um pouco de carne?" diz ele,
imitando meu tom. "Só não vá longe, no caso de precisar de ajuda."
Eu suspiro e mostro-lhe algumas
raízes para cavar. Nós precisamos mesmo de alimentos, sem dúvida. Uma maçã,
dois rolinhos, e um pedaço de queijo do tamanho de uma ameixa não vão durar
muito. Vou simplesmenter caminhar por uma curta distância e esperar que Cato
esteja longe.
Ensino-lhe um assobio de
pássaro - não uma melodia como o da Rue, mas um assobio simples de duas notas -
que podemos usar para nos comunicarmos que estamos bem. Felizmente, ele é bom
nisso. Deixando-o com a mochila, eu saio.
Eu sinto que tenho onze
novamente, presa não à segurança da cerca, mas a Peeta, permitindo-me dezoito,
talvez vinte e sete metros de espaço para caçar. Longe dele, porém, a floresta
fica viva com sons de animais. Tranquilizada por seus assobios periódicos,
permito-me derivar para mais longe, e logo tenho dois coelhos e um esquilo
gordo para exibir. Eu decido que é o suficiente. Eu posso colocar armadilhas e
talvez conseguir alguns peixes. Com as raízes de Peeta, isto será o suficiente
por hora.
Enquanto eu volto a curta
distância, percebo que trocamos sinais faz um tempo. Quando o meu assobio não
recebe nenhuma respostas, eu corro. Rapidamente, eu encontro a mochila, um
arrumado monte de raízes ao lado. A folha de plástico foi colocada no terreno
onde o sol pode atingir a única camada de bagas que ela cobre. Mas onde está
ele?
"Peeta!" eu chamo em
pânico. "Peeta!" Eu me viro para o farfalhar de folhas e quase mando
uma flecha por ele. Felizmente, eu puxo meu arco no último segundo e fica preso
em um tronco de carvalho a sua esquerda. Ele salta para trás, atirando um
punhado de bagas na folhagem.
Meu medo sai como raiva.
"O que você está fazendo? Você deveria estar aqui, não correndo pela
floresta!"
"Eu encontrei algumas
bagas correnteza abaixo," diz ele, claramente confuso com a minha
explosão.
"Eu assobiei. Por que você
não assobiou de volta?" eu repreendo-o.
"Eu não ouvi. A água está
muito alta, acho," diz ele. Ele cruza e coloca suas mãos sobre meus
ombros. É quando sinto que estou tremendo.
"Eu pensei que Cato tinha
te matado!" eu quase grito.
"Não, eu estou bem."
Peeta envolve seus braços em volta de mim, mas eu não respondo.
"Katniss?"
Eu empurro, tentando entender
meus sentimentos. "Se duas pessoas concordam em um sinal, elas ficam por
perto. Porque se um deles não responde, eles estão em apuros, está certo?"
"Está certo!" ele
diz.
"Está certo. Porque foi
isso que aconteceu com a Rue, e eu assisti ela morrer!" eu digo. Viro-me
para longe dele, vou até a mochila e abro uma garrafa de água fresca, apesar de
ainda ter um pouco na minha. Mas não estou pronto para perdoá-lo. Eu observo a
comida. Os rolinhos e as maçãs estão intocados, mas alguém pegou
definitivamente parte do queijo. "E você comeu sem mim!" Eu realmente
não me importo, eu só quero algo pelo que ficar brava.
"O quê? Não, eu não
comi," diz Peeta.
"Ah, e suponho que as
maçãs comeram o queijo," eu digo.
"Eu não sei o que comeu o
queijo," Peeta diz devagar e claramente, como se estivesse tentando não
perder a paciência, "mas não foi eu. Eu estive correnteza abaixo coletando
bagas. Você gostaria de algumas?"
Eu quero, na verdade, mas eu
não quero ceder tão cedo. Mas eu ando até lá e olho para elas. Eu nunca vi esse
tipo antes.
Não, já vi. Mas não na arena.
Estas não são as bagas da Rue, embora elas se pareçam. Também não são iguais as
que eu aprendi sobre no treinamento. Eu me inclino e apanho algumas, rolando-as
entre meus dedos.
A voz de meu pai volta para
mim. "Estas não, Katniss. Nunca estas. Elas são nightlock* . Você estará
morta antes que atinjam o seu estômago."
* a palavra ‘nightlock’ foi
criada pela autora, usando a junção dos nomes ‘nightshade’ (jurubeba) +
‘hemlock’ (pinheiro do Canadá), ambas plantas extremamente venenosas.
Bem então, o canhão dispara. Eu
me viro bruscamente, esperando que Peeta colapse no chão, mas ele apenas
levanta suas sobrancelhas. O aerobarco aparece a noventa metros, mais ou menos,
de distância. O que sobrou do corpo emagrecido de Foxface é levantado no ar. Eu
posso ver o brilho vermelho dos seus cabelos ao sol.
Eu deveria ter sabido no
momento em que vi o queijo desaparecido...
Peeta pegou-me pelo braço,
empurrando-me na direção de uma árvore. "Escale. Ele estará aqui em um
segundo. Teremos uma melhor chance lutando contra ele de cima."
Eu o paro, de repente calma.
"Não, Peeta, ela foi matança sua, não do Cato.”
"O quê? Eu nem sequer a vi
desde o primeiro dia," diz ele. "Como eu poderia tê-la matado?"
Em resposta, seguro as bagas.
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